A Natércia! Casada com o Alfredo Varizo, quinze anos depois viúva do dito, filha do senhor Proença da Cerâmica. Que personagem, a Natércia. A nós, velhos amigos, basta recordá-la para sentirmos os calafrios que a sua presença causava.
Ser tagarela era o menos, sobre isso passava-se a esponja, mas era preciso excepcional resistência para aguentar a catadupa de palavras e o modo como ela as pronunciava, rebolando os erres, pondo os lábios em bico.
Porque era amiga, também essas maneiras de boa vontade se lhe descontavam dos pecados que tinha, não fosse aquela inesperada, e desmedida ambição que um dia a assaltou, à semelhança de um acesso de febre, mas de facto um transtorno da mente.
Professora no secundário, mãe de três filhas, de maneira idêntica à que
alguns ouvem vozes misteriosas, ou são visitados pelo Espírito Santo,
descobriu-se a Natércia com uma inconcebível, de facto tristemente cómica vocação
parlamentar. E embora fosse nula a possibilidade de um dia a vermos deputada,
não se calava sobre os projectos de lei que iria apresentar, as comissões a que
iria presidir, os debates em que os oponentes, exaustos, cairiam como tordos, fulminados
por tão fortes e revolucionários argumentos.
Em certas ocasiões dava ideia de estar já numa tribuna, imitando os gestos de
agarrar o microfone, e embora a cena se passasse na sua sala, levantava-se,
apoiava as mãos no espaldar da cadeira, erguia a cabeça, cerrava os olhos
Não parava com o espectáculo, e de nós, que ali estávamos de visita, queria
ouvir aplauso, lhe déssemos a impressão de que a víamos já a defender a
política do seu ministério. Porque essa certeza tinha, e no seu dizer tão
segura como dois e dois serem quatro: ainda havíamos de a ver num posto do governo.
Mas
então já há muito o sabíamos: éramos o conforto de uma louca mansa.