O
pai, e depois ou antes dele os irmãos, os tios, o padrinho. Mais tarde, quando
já se sabia, perdeu-se a conta, um qualquer acenava e ela obedecia, encostava-se
ao muro, levantava a saia, deixava-os fazer. Depois, à maneira de adeus, alguns
batiam-lhe, chamavam-lhe cadela, cabra, porcalhona. De longe a longe
deixavam-lhe uns tostões, pagavam-lhe um copo na taberna. Um amarrou-lhe as
mãos com uma corda, prendeu-a a uma oliveira e foi buscar o irmão tolinho, que
aos quarenta ainda não conhecera mulher.
Começou criança, e para aquilo, para o que tempo sem fim fizeram com ela, os
verbos da ralé não servem, não chegam, nem de longe podem dar medida da
bestialidade, do desprezo, do sofrimento e do nojo, do vácuo animal, do escuro
de algumas vidas e do seu destino.
O que a ela cabia era desmanchar, esconder, ou parir e enterrar. Nunca ninguém
quis saber quantos terão sido, nem a infeliz guardou memória. Dos sem conta escaparam
dois, criados ao deus-dará com o pão da esmola e aguardente na chupeta, gente
na aparência, bichos no resto.
Ainda rapaz, fraco da cabeça, chupado da miséria e do vinho, ao mais novo levaram-no os ciganos para Castela. Mais ninguém sabe, nem importa se por lá ficou.
O outro, corpo de gigante, cabeleira ruiva, desgrenhada, olhos cinzentos, barba de profeta, há tempos “deu-lhe uma coisa”. Ficou com a perna torta, e como o médico lhe disse que só curava se andasse, anda sem parar. Dia ou noite, chuva ou sol, calor ou frio. Era o “Cabeçudo”, chamam-lhe agora o "Peregrino”.
Os homens passam de largo, as mulheres fingem não ver quando o encontram no caminho ou ao voltar da feira. Diz-se que jurou que pouco lhe importa ir para a cadeia, mas o dia que lhe der na gana vai agarrar uma, e essa não escapa, paga por todos, há-de lhe fazer cem vezes pior do que fizeram à mãe.