“Chove, faz sol,
chego às duas da tarde, a Mariana abre a porta e Madame recebe-me no
salão, porque com o Outono o visconde foi-se embora e a casa está vazia.
De lição não tratamos, que ela se aborrece depressa, eu
não tenho jeito de professor, a ideia tinha sido do padre que queria
vê-la ocupar-se do dispensário. O visconde aceitara, meio a contragosto
porque não ia com a minha cara, e o padre fizera um retrato em meias-tintas, eu
não frequentava a igreja, corriam uns boatos, «Tout ça je vous le dis en confidence», mas que não havia outro na freguesia, a não ser que Vossa
Excelência queira mandar vir um professor do seminário.
Mas o visconde não gostara da ideia, nem da despesa, e
ela não se queria ver todos os dias com um padre. Daí...
Entontecia-me com tanto falar. De Paris. Do Brasil. Da
Côte... Mundos. Tinha estado em toda a parte, falava de tudo, sabia
tudo, conhecia toda a gente. Aga Khan? Rothschild? Cocteau? Tu cá tu lá.
O Amazonas? De jangada, de canoa. A Índia? De ponta a ponta. Aquele par
de jarras? Picasso.
Eu saía ao escurecer, zonzo, dorido dum lado, esperançado do
outro.
Se ao menos pudesse! Ó Deus! Se ao menos pudesse!”
in Montedor, Quetzal. 2014