Por minha vontade não entraria na conversa, mas há aquela coisa das boas maneiras e a atenção que se deve a quem nos fala.
- O que é que você pensa do Ó É?
Atordoou-me, porque não compreendi logo que ele, modernaço, referia as abreviaturas ao Orçamento do Estado. Passada a confusão tive de desiludi-lo, e confessar que as finanças do país não são matéria em que me ache habilitado a opinar ou discutir.
Felizmente, com a autoridade que lhe dá o seu cartão de eleitor e o emprego na Caixa, explicou-me em detalhe o que estava errado em Portugal, as razões da preponderância alemã, o que os nossos líderes políticos deviam ter a coragem de fazer para evitar a bancarrota do Estado e, atrás dela, a miséria dos cidadãos.
Ouvi-o acenando que sim, como faço em ocasiões dessas, e calei prudentemente os meus comentários. Isso porque ele, inconsequente e simples nas ideias, umas vezes jura que precisamos de um Salazar, noutras se diz ferrenho da esquerda, febre que mantém desde os anos 60, e porque a falar verdade sempre me falta apetite para discussões do género.
Calei também os sentimentos que me tinham tomado dias atrás, quando uma troca de canais me pôs involuntariamente a assistir às discussões na Assembleia da República.
Nunca tinha presenciado e abriu-se-me a boca de pasmo. Obriguei-me a assistir para confirmar que o que via e ouvia não era episódico, não eram intervenções ou atitudes passageiras motivadas por qualquer arrelia ou discordância, mas uma incrível mescla de pulhices e Vossas Excelências, calinadas, raivas de teatro, modos sornas, incompetência e baixeza.
Deixou-me doente e pesaroso pelos poucos que lá se sentam com a ideia que este país tem salvação. Não tem. E seja à China, à Índia, à Arábia Saudita, o mais sensato será vendê-lo antes que apodreça de todo.