Coisa de vinte
anos atrás, quando numa tarde quente de Agosto entrei no Sheraton, em Lisboa,
surpreendeu-me a frescura do ar condicionado e a agitação do ambiente. No hall
havia um grande número de mulheres, e os homens presentes pareciam executar em
torno delas um bailado sem ritmo nem fito certo.
O recepcionista ia entregar-me a ficha do quarto quando uma senhora de idade o
interrompeu:
- Ó senhor Abílio, isto é congresso?
- Não, Dona Maria, são tudo hóspedes. O hotel está um bocadinho cheio.
- Hóspedes uma gaita! - replicou a senhora com inesperada vivacidade. E
voltando-se para mim:
- Isto está a ficar como Bangkok. Conhece Bangkok?
- Não conheço, mas faço ideia.
No ascensor - por simples acaso íamos ambos para o mesmo andar - ela achou uma
pouca-vergonha que um hotel de luxo se abandalhasse assim. Porque se eu não
sabia ficava a saber, aquilo eram tudo mulheres da vida.
Fiz-me surpreso e retorqui que não. Uma ou outra, talvez, mas a maioria
via-se-lhes pela cara que eram senhoras de respeito.
Ela riu: - Pobre de si se ainda vai pelas caras! Senhoras de respeito uma fava.
As que parecem sérias são as do part-time.
Achei exagero, mas não a contradisse. Mais tarde, quando voltei a descer, notei
que de facto no hall havia um ambiente de extrema tensão erótica,
menos devido aos ademanes das três ou quatro prostitutas de serviço, do que à
indefinível electricidade que parecia faiscar entre os presentes.
Nenhum gesto era inocente, nos olhares havia espectativa, liam-se nos rostos
desejos insanos, sentia-se que a virtude e a fidelidade, mesmo a decência,
estavam ali por um fio.
- É do calor - disse-me o porteiro, habituado a ler pensamentos.