Tem dez anos menos
do que eu, mas sempre me pareceu precocemente velho. Desde que se reformou,
cresceram nele as características do ancião: caminha curvado, fala com vagar,
cultiva uma surdez imaginária, oferece bons conselhos, gosta que se faça apelo
à sua “vasta experiência.”
Sem que lho pergunte, informa-me que começou a escrever as suas memórias, tendo
chegado à página cento e doze. Não diz mais e encara-me, mas o comentário que
ele aguarda não me ocorre.
Curiosidade pelo seu opus também não tenho, por isso ficamos num
silêncio desagradável que ele finalmente quebra, dizendo que parou por se
sentir insatisfeito com o que fez. Em sua opinião um livro de memórias não deve
ser apenas a listagem cronológica de recordações e acontecimentos, mas possuir
sobretudo um fio condutor. O que é que acho?
Sem convicção, só para evitar que o diálogo caia no que lhe agrada e a mim
aborrece, “o tom literário,” respondo-lhe que sim, que também acho. Mais tarde,
recordando a conversa, digo-me que na vida, e nas memórias que sobre ela se
escrevem, os fios condutores são ilusão. O caos, esse sim, é real e palpável.