Para todos é diferente, mas falo por mim, sei do que falo: o que mais pesa no que emigra não é a saudade, a receosa excitação do desconhecido, o largar de amarras.
O que mais pesa nele, e sentirá como quem se afoga, é o medo, o estranho medo que mais tarde, quando por vezes, se julga a salvo e protegido, inesperadamente o toma: compreende mal a língua ou desconhece-a de todo, lê nos olhares e nos modos o que preferiria não descobrir, sente que involuntariamente se dobra, se esconde, torna pequeno, chora lágrimas que ficam dentro.
Tem horas de revolta, mas só mais tarde saberá que essas também lhas causa o medo, o medo em infindas versões: a de perder, de falhar, da vergonha, do desespero, da desigualdade, do insulto, do erro que lhe apontam e ele não compreende que cometeu, do modo que não tem, daquilo que dele esperam e não pode, não sabe dar.
Mudaram muito, e felizmente, os tempos. O António, o Miguel, o Fernando, a Isabel e a Georgina, que agora emigram, não o fazem como os avôs, de quem eu um dia escrevi:
" Vão a pé, como em todos os êxodos trágicos, morrem às dezenas nas águas do Bidassoa, entre a Espanha e a França; morrem de fome e de frio nas neves dos Pirinéus, onde alguns se metem sozinhos, na esperança de passar, outros abandonados pelos guias a quem tinha pago.
Aldeias inteiras esvaziam-se. Os homens partem noite escura, com medo das denúncias, alguns nem se despedindo dos familiares, levando na mão o pouco que lhes pertence. Às vezes em grupos de quinze, vinte, apalavrados com o engajador, no lado espanhol da fronteira são apanhados por um camião e, deitados no meio da carga, fazem a viagem até aos arredores de San Sebastián. Depois, a pé, atravessam os Pirinéus, e de novo um camião com fundo falso que os leva a Paris."
Paris! A segunda cidade de Portugal, mais de 600.000 portugueses entre os seus habitantes."
Esses jovens que aqui em Amsterdam agora encontro, vieram de avião ou de comboio, no carro de amigos, o seu futuro será outro, talvez menos duro, quiçá mais trágico, porque é maior e diferente a sua esperança.
Vejo-os e oiço-os no supermercado, nas lojas, nos cafés. Espio-os. Julgam-se a salvo e que ninguém lhes entende a língua.
"Olha prò filho da puta! Viste as mamas da gaja? Dás um empurrão ao velhote e ele espalha-se. Tanto pretinho, pá! Eu a julgar que estava na Holanda."
Não me dou a conhecer. Registo, não censuro. Os avôs não podiam, não sabiam falar assim, olhavam e calavam.
Os netos falam, ainda não sabem, julgam-se a salvo. Deus se compadeça na hora em que os tomar o medo.