Dele já em pequeno a mãe dizia que era mansinho como um cordeiro, e assim continua a ser, mas os que ignoram a razão acham bizarra a alcunha de “Makarov”, e poucos o conhecem por António Ventanas.
A pistola ofereceu-lha o padrinho que, na versão simples, em Bissau a comprara por dez réis de mel coado a um desertor. Na versão dramática, que às vezes lhe ouviam no café, tinha-a ele próprio arrancado da mão de um dos guerrilheiros, que a sua patrulha uma noite matara em combate.
O momento escolhido para a oferta ao afilhado tinha sido os vinte anos do rapaz, com o padrinho a assinalar, de modo solene, os deveres e direitos de quem tem licença de uso e porte de arma. Recordando ainda que aquela Makarov de certeza tinha matado gente, mas ele só a deveria usar em legítima defesa e nunca fazer com ela ameaças ou assustar alguém.
Infelizmente, nove anos passados sobre essa ocasião, vai já em dois que, surdo aos conselhos casou com a Judite, e como na família todos tinham previsto, as coisas entre ambos correm mal. De facto é preciso ser ingénuo e cego para não se dar conta que borboleta era aquela, ainda por cima sobrinha dos “Torniquetes”, dois irmãos que saem da cadeia, e às vezes no mesmo dia lá voltam.
Aconteceu então que num fim de ceia, com berros, insultos, pratos a voar, e já da porta a chamar-lhe corno, a Judite fugiu para o café do “Marcha-atrás”, onde os tios são certos. As conversas pararam e a seguir aconteceu o que se esperava: o “Makarov” a entrar de pistola apontada à infiel. Apertou o gatilho, nada aconteceu, mas no mesmo instante já um murro do Abel “Torniquete” o deixava k.o.
Quando acordou obrigaram-no a ficar e riram às gargalhadas, o tolo não sabia que o padrinho lhe dera a arma sem balas e dizia do afilhado: “Mansinho já era, corno tinha de ser!”