De
pequenina tem aquela paixão do teatral, e a mímica, a entoação, os
gestos, tudo nela é de quem vive num palco. Explica muitas vezes, com
talento, a razão de não ter filhos. Ergue-se de súbito, aponta o
baixo-ventre, descreve com dois dedos um círculo, dando a impressão de
que segura um bisturi, e exclama com drama:
- Arrancaram-me tudo!
Não
só eu, di-lo também a expressão dos outros presentes, vemo-nos de
súbito no bloco operatório, o corpo na mesa, o sangue a jorrar, os
cirurgiões muito concentrados, aquela aparelhagem toda, as lâmpadas.
Depois, aos cicios e passadinhas, seguimo-la na maca pelos corredores,
entramos no quarto, assistimos aos cuidados das enfermeiras.
Representa
muito bem a visita dos médicos na manhã seguinte, o professor falando
de sinartrose e pericárdio, uteremia, palavras que nada lhe dizem, nem a
nós, mas que decorou por achá-las interessantes.
Senta-se
então lentamente, suspirando, mas logo volta a erguer-se, pronta para o
terceiro acto, a representação da impotência do Alberto, da sua
sovinice, a discórdia e o divórcio.
Essa
é a parte de que gostamos menos - o falecido era bom homem - e então há
sempre alguém que diz que se faz tarde, vão sendo horas da deita.