O Severino abanava a cabeça com irritação mal contida, o dedo a apontar para o peito do Alberto, que começara a desapertar a camisola, queria que visse como no hospital de Toulouse lhe tinham posto as pilhas. De agora em diante o coração batia certinho, acabavam-se as dores no peito, não tinha de se assustar com o pensamento que dum momento para o outro lhe desse um ataque.
- Pára com isso! Não me interessa. Se o riquetique se puser aos saltos logo se verá.
A modo de desculpa fingiu que lhe dava um empurrão e apontou o café: - Em frente! Marcha!
Tinham passado a tarde a beber e a petiscar, falando disto, daquilo, os trambolhões da vida, concordes no desânimo da velhice, o modo como do dia para a noite tudo muda, mesmo querendo não há maneira de acertar o passo.
Estavam nisso quando, com um susto fingido, o Alberto apontou o relógio por cima do balcão. Tinha de ir andando, às sete e meia em ponto a madame punha a ceia na mesa, ai dele se não estivesse.
Estendeu a mão, a parar o gesto do Severino que puxava pela carteira, disse-lhe adeus, mas ao empurrar a porta viram-no cair redondo, a cara branca de cal, o corpo em tremuras.
Já lá vão duas semana e o infeliz continua internado, os que o visitaram dizem que se escapar é milagre. Tanto mais que, contou a prima do Antunes que é lá enfermeira, os médicos queriam pôr-lhe outras pilhas, mas houve colegas contra, e agora ali está ele com a vida por um fio.
O Severino ouve calado, se lhe perguntam o que pensa do caso responde que não arrisca opiniões, os médicos é que sabem. Diz aquilo por dizer, pois no intimo há muito se lhe foram as certezas, mas uma ainda tem: é que à consulta não vai, e se o doutor o volta a chatear que também precisa de pilhas, que sem elas corre perigo, não sabe se terá mão em si.