Meu caro Raymond,
Ocorreu-me no outro dia como é estranho que, no tempo despreocupado da nossa juventude, se falasse tão pouco em sexo. E isso na Paris dos anos cinquenta, uma época em que a cidade parecia explodir de luxúria.
Por certo que não era falta de amores, affaires, ou relações, como agora se diz. Nesse particular quase todos nos esforçávamos por não deixar perder as benesses que, principalmente para nós, estrangeiros, advinham de uma liberdade de costumes que nos era desconhecida, e na qual cidade tinha uma sólida e secular reputação.
Contudo, ou pelo facto das tuas origens de libanês maronita, ou pelo fundamentalismo islamita de alguns amigos nossos – surpreendente, por exemplo, no doutro modo tão liberal e generoso Labib – certo é que não lembro que jamais tivéssemos tido aquilo que se chama um debate profundo sobre as coisas do cio e da procriação.
Recordo sim o teu embaraço quando um dia alguém no café, num grupo em que havia também raparigas, ao saber que eras biólogo no Instituto Pasteur, perguntou o que pesquisavas. Tu, corando, resmungaste que no último ano te tinhas ocupado a estudar a sexualidade das rãs.
Houve os risos e as piadas que eram de esperar, e ao dar-se conta do teu embaraço os graçolas iam mudar de conversa. Mas nesse momento monsieur Jules, por alcunha Grand-Père, o pintor sessentão e boémio que gostava de acamaradar connosco, quis saber se entre as rãs machos também se constatava o fenómeno da impotência.
A tua resposta, demasiado científica para os nossos ouvidos, perdeu-se no calor da discussão. Além disso monsieur Jules não tinha qualquer interesse pelos batráquios. Queria, sim, falar da sua própria experiência do fenómeno e partilhar connosco o remédio que para ele encontrara.
Com a idade, e às vezes resultado de um simples resfriado, avisou, o momento infalivelmente chegaria em que o membro recusava a erecção necessária para consumar o acto. Fora o vexame, tinha isso em geral consequências de que nós, na força da vida e ignorantes, nos poderíamos rir, mas no seu dizer levavam a autênticas tragédias.
Havia contudo um remédio clássico, um único, assegurara o velho médico que lho recomendara, e por quem ele mantinha infinda gratidão: se no início do acto o membro dava mostras de debilidade ou sinais de renúncia, o dono deveria projectar de súbito no ecrã da mente todas as cenas de orgia que sempre fantasiara sem nunca as chegar a viver.
- C'est le cinéma intérieur. Não falha – concluiu monsieur Jules com um sorriso de grande satisfação.
Naquele momento pareceu-nos aquilo um tanto ridículo, até ligeiramente obsceno, o tipo de conversa para reformados nos bancos do jardim. Imagina, pois, a minha surpresa, quando tempos atrás li aqui no jornal que, feitas exaustivas pesquisas, um sexólogo de Rotterdam descobriu que setenta por cento dos casos de impotência se podem resolver com o simples visualizar dum vídeo pornográfico.
Se ainda fosse vivo, monsieur Jules com certeza se teria alegrado de ver que a ciência mais uma vez sanciona a redescoberta da roda. Mas talvez estranhasse, como eu estranho, que em lugar de prescrever aos seus pacientes o saudável exercício da fantasia íntima, o especialista os queira curar com erotismo de pacotilha e sonhos pré-fabricados.