O que logo notei ao entrarmos ao restaurante onde íamos jantar, convite seu, foi que ele não parava de sorrir, e quando lhe perguntei porquê olhou-me perplexo, assim a modos de achar estranho que eu não soubesse ou fosse incapaz de adivinhar. Mas em vez de responder, disse ao empregado que queria a mesa ao fundo, ao pé da janela, e sem me deixar escolher decidiu que para já trouxesse lagostins, um Colares Viúva Gomes, depois se veria o resto.
Como continuava a sorrir voltei a perguntar a razão de tanta jovialidade, mas o telemóvel tocou, ele atendeu, dando-me a impressão de que pela maneira como falava seria assunto de importância.
Chegado aos sessenta e um em Julho, bem na vida, saúde de ferro e, como nunca esquece de dizer, “tudo no seu lugar”, o Ricardo faz gosto em desempenhar o papel de irmão mais novo, incluindo as confissões e o fingir que pede conselho.
Pousou o telemóvel e recomeçava a sorrir, mas não perdoei: - Venha a novidade.
Infelizmente, tem ele o tique de nunca responder logo ou de ir direito ao assunto, mas de se alongar em rodeios, apartes, explicações, e assim a sua conversa pede tempo e paciência. Como de costume, também desta vez tinha sido uma pequena, palavra que ele quase sempre acompanha com um piscar de olho, e a que se refere com a malícia masculina que desde essas coisas do #metoo só se pode usar entre amigos.
Em confiança ia-me dizer quem a pequena era e o que se passara, mas o assunto ficava comigo, porque não queria falatórios.
- Conheces a filha do Barbosa? A pintora? Que teve o ano passado aquela exposição no Chiado que deu escândalo por causa das poses?
Acenei que não. Aliás também não fazia ideia de quem fosse o Barbosa, pois ao contrário do Ricardo, que frequenta meio mundo, está no Facebook, no Instagram, Twitter, Linkdin e sabe Deus que mais, o meu círculo de contactos é reduzido.
Pelos jeitos acontecera num fim-de-semana no Algarve, mas não me pusesse com fantasias, fora um simples encontro no bar do hotel onde ela estava hospedada e ele por acaso tinha entrado.
- E depois?
- Estou a ver o que estás a pensar, mas não foi nada disso. Ficámos à conversa, e ela às tantas perguntou há quantos tempo eu estava divorciado, e se nunca pensara em casar de novo.
- Propôs-te casamento?
- Não. Começou com elogios. Que sempre me tinha achado um belo homem, com um perfil grego, clássico, e gostaria de pintar o meu retrato.
- Aceitaste, claro.
- Recusei. Seria um nu. Ainda tenho tudo no seu lugar, mas já não é para pôr à mostra.