Cada um tem os seus humores, pequenas manias que podem parecer bizarras aos olhos doutrem, e umas vezes são válvula de escape, noutras ocasiões a forma de satisfazer sabe Deus que precisão da alma ou acudir a um hábito que se tornou obsessivo.
O Vitorino não faz ideia donde lhe vem o mêdo dos incêndios, pois nunca na sua vizinhança se deu algum, só os conhece da televisão, mas isso não impede que involuntariamente controle tudo o que lhe parece possa dar origem a um curto-circuito ou fuga de gás.
Além de o enervar, essa preocupação torna-o facilmente irritável, exagera ao ponto de que quase nunca Dona Olímpia acende o fogão sem que ele, como que por acaso, entre na cozinha e ali demore, a dar-se conta de que a chama não alastra nem há por perto material inflamável.
Ao que a esposa cruamente chama a mania dos incêndios, acrescentou ele tempos atrás o hábito de à noite deixar numa cadeira perto da cama as calças, uma camisola, um par de sapatilhas, de modo a que se a casa estiver a arder, escapar para a rua com certa decência e não, como já tem visto nas reportagens, as pessoas em pijama e descalças a tiritar ou embrulhadas em cobertores.
Dona Olímpia arreliou-se quando o ouviu sugerir que também ela devia tomar o mesmo cuidado, não só por uma questão de agasalho mas também de decência, pois…
Se naquele momento o marido não a tivesse encarado, nem encolhido os ombros com aquele jeito de aborrecimento que tão bem lhe conhece, nada teria acontecido. Infelizmente o Vitorino não se soube conter, e não foi só a expressão do rosto e o desdenhoso franzir dos lábios a lembrar-lhe as zangas que já tinham tido, causadas pelo abuso que a esposa faz da doçaria, mas porque nesse momento não se soube conter, gritando-lhe que mesmo que parasse com a lambarice estava a ficar como a sogra do Bernardo.
Ó palavra que disseste! A sogra do Bernardo não é só um caso extremo de obesidade, mas como que o espelho de que no bairro às vezes os maridos se servem para alertar a esposa, causando isso tensões que têm levado a que em muitas casas nem por brincadeira se possa- falar em "pneu Michelin"
Nesse momento o Vitorino esperaria tudo, pois por demais sabia que em certas ocasiões a esposa era dada ao clássico partir da loiça, mas estava longe de imaginar o que de seguida aconteceu e o deixou de boca aberta: ela voltar-lhe as costas, ir para o quarto, vê-la a rebuscar na mesinha de cabeceira e tirar de lá um dildo, dizendo escarninha: - Corno já eras, agora ficas a saber.