quinta-feira, fevereiro 18

Má desculpa, mas sincera

 É que são tantos os medos, os avisos, as precauções, as más novas, os perigos, que eu para ser franco entrei num modo de irritação automática, a ponto que me massam tanto os que são a favor como os que são contra, os que sabem ou fingem saber, os peritos tornados astrólogos, e tutti quanti. Assim, até para o vício da escrita me falta vontade, e com alguma vergonha deixo aqui historietas.

Essa a razao porque repito uma e outra, como fiz ontem e mais vezes, na ilusão de que quem bate a esta porta espera ser atendido. Cansado de previsões e ameaças aqui fica mais uma, esperançado de que amanhã me sinta capaz de olhar com serenidade para o mundo e para a gente à minha volta.

 

 A MORTE DA CONVERSA

 Há ocasiões em que aquele tique se torna um bocadinho cansativo, mas são tantas as boas qualidades do Amadeu que facilmente se lhe perdoa a absurda insistência na precisão e no detalhe. Já ninguém franze o sobrolho quando ao aproximar-se a data, ou por qualquer razão se fala no 25 de Abril, ele pela milésima vez repete que tinha então vinte e cinco anos, cinco meses e vinte e cinco dias, acrescentando um “precisamente”, de que não se compreende a utilidade.

De facto nenhum de nós lhe atirará a primeira pedra, já que de uma maneira ou doutra todos temos as nossas manias, além de ser o Amadeu um alegre   parceiro. Contudo, nos últimos tempos temos notado uma assinalável mudança nos seus interesses, ocupando-se agora mais com o que  pomposamente chama “a decadência dos tempos”, em particular “a morte da conversa”. Porque em sua opinião já ninguém quer, tem paciência ou sabe conversar, pelo menos naquele sentido antigo em que uma pessoa ia ao café a horas certas, cumprimentava, sentava-se com os amigos, trocava com eles novidades e comentários, lia os jornais, discutia a política, confessava os seus achaques.

- Ler o jornal? Hoje? – pergunta ele, fazendo um redundante gesto de desânimo – Ninguém lê. Tudo são pressas, anda toda a gente com a cabeça no ar. Queres falar disto ou daquilo vêm logo com um já vi na Internet, ou isso está no Google. Depois pegam no telemóvel e é como se nos voltassem as costas. A vontade que às vezes me dá…

Embora a nossa presença ali contradiga o que afirma, não deixa de ser verdade que não somente parece ter-se perdido o gosto da conversa, como esta, na sua versão moderna, dá ideia de se inclinar menos para a arte do colóquio do que para as tácticas da guerrilha. E aí, de facto, o Amadeu tem razão, pois o que logo salta à vista, seja numa roda de amigos, numa reunião ou com a família ao jantar, é a alta probabilidade de que aquele que exprime uma ideia ou afirma uma crença, se veja de imediato atacado, não tanto porque lhe falte razão, mas porque na modernidade é de bom tom ser contra. Injusta ou irracionalmente contra pouco importa, pois é isso o que vale e dá cachet no mundo do Facebook, da realidade virtual e da Internet de todas as coisas.

Pobre Amadeu, pobre de mim e dos mais que somos obrigados a marcar passo, por ser este um tempo em que a rapidez da evolução torna ronceira a velocidade supersónica, e não há paciência para aturar aqueles que, por terem nascido no tempo da locomotiva a vapor, perderam o comboio.