Para o caso importa pouco e em qualquer hotel poderia acontecer, mas ele, sempre meticuloso, insiste que foi no Palace Hotel do Buçaco e recorda o número do quarto: o doze.
Tinha vindo dum congresso em São Paulo. Do calor tropical, do cansaço da viagem, ou simplesmente para se dar uma folga, assim num impulso, recordando coisas da meninice, quando iam para lá de férias, tinha decidido pelo Buçaco.
No bar, esse fim de tarde, a gente era pouca. Um sujeito teso, com cara de militar e bigode retorcido, dois casais idosos, dois suecos efeminados e já bêbedos, uma mulher de meia idade, muito pintada, vestida de sedas, um caniche no colo. Penteado à moda antiga, com risca e brilhantina, o casaco branco mal abotoado, o empregado amodorrava junto da porta.
Elegante, desempenada, decidida, a rapariga deteve-se a meio da sala, olhando em volta como se procurasse alguém, aquele modo a destoar no ambiente soturno.
Uma surpresa o vê-la sorrir-lhe, vir direita a ele e apontar o fauteuil, perguntando:
- Is it free?
Ao jantar, rindo, confessou que a pergunta tinha sido ociosa, porque nessa manhã se informara e o porteiro, compreendendo a curiosidade, tinha-lhe dito que o senhor estava sozinho.
Era de Berlim, engenheira química, e num impulso decidira vir a Portugal festejar o aniversário dos seus trinta anos. Livre. Feliz. Sem parentes nem aderentes.
Rapariga despachada, pensou ele. Talvez demais, mas enfim, era engraçada e boa companhia.
Os copos de uísque tinham-se sucedido, com a perdiz terminaram a segunda garrafa de um Buçaco Reserva, e agora, que chegava o carrinho das sobremesas, o escanção propunha um moscatel.
Na juventude tinha bebido o preciso, e ainda se considerava bom copo, mas a rapariga pediria meças a qualquer um.
Com o café veio a boa aguardente velha da casa, e quando se levantou, hesitando no seguimento, ela meteu-lhe o braço e, sorrindo, levou-o escadaria acima.
- Foi o quê?... Um minuto? Dois? Nem isso! O tempo duma mijadinha!
Ao voltar da casa de banho encontrou-a nua, deitada de barriga, a cabeça a descansar num braço, tão perdida de sono que nenhuma fala ou toque a acordaria. Também não tentou.
Um empregado idoso que passava no patamar fingiu não vê-lo, mas escondendo mal a expressão de desprezo. Só então se deu conta que com uma mão segurava as calças e na outra levava os sapatos e o resto da roupa numa trouxa.
No dia seguinte partiu cedo. Ainda pensou deixar-lhe um bilhete, mas achou que não valia a pena.