terça-feira, fevereiro 12

Umas sabem, outras não



Umas sabem, outras não

Compreendo a Esmeralda e admiro a teimosia com que se agarra ao seu sonho, mas é pena que seja pessoa que não quer conselhos.
 Ao contrário dela eu não tive um, tive não sei quantos sonhos, mas cedo os perdi. Por volta dos oito anos queria ser maquinista naquelas locomotivas enormes, pintadas de preto, com fumo a sair da chaminé. Depois apaixonei-me pelos submarinos, e embora só os conhecesse das fotografias e de os ver no cinema, fascinava-me a ideia de navegar num tubo de ferro até ao fundo do oceano. Mas uma tarde, no recreio, bastou um único beijo da Laura para que acabasse de vez com as fantasias e fosse espreitar a porta por onde iriam entrar as boas e más andanças da minha vida.
A Esmeralda era ainda pequenina quando viu um circo na televisão e ficou assombrada, jura que foi como se estivesse alguém a dizer-lhe que aquilo seria o seu destino. Desde esse momento parece mistério, pois quando lê os horoscópios encontra sempre uma alusão à vida artística, a viagens, a aventuras, à fama, ao aplauso.
Já estava casada com o Marcelino quando em ocasiões diferentes duas ciganas lhe leram a mão e disseram o mesmo: via-se nas linhas, era esse o seu destino.
Sabe que será trapezista ou equilibrista, nada com cavalos, ursos, cães ou palhaços. Assistente de malabarista ainda menos, porque não aguentaria que a fechassem numa caixa, ou que mesmo a fingir a serrassem em três partes. Também não se vê encostada a uma tábua, em tremuras e a rezar ao anjo da guarda para que o lançador de facas não falhe a pontaria.
Todos os dias se perde no sonho. Já lhe aconteceu estar no dentista, no supermercado, na cabeleireira, e de repente ouve os tambores, começa a subir a escada de corda, espera até que o parceiro lhe atire o trapézio, agarra-o e sente-se a voar, tudo tão real que baixa os olhos para que ninguém descubra a sua excitação. Infelizmente o Destino não se compadece, mantém-se avesso, obriga-a a esperar.
Ainda namoravam quando lho contou e o Marcelino pôs-se a rir, disse que era maluquice, mas nunca mais falou naquilo. Por isso no passado domingo foi um choque. Tinham-se deitado, começaram na brincadeira, de repente ele deu-lhe um empurrão e virou-lhe as costas. Que fosse para o circo, porque se calhar ia ser boa no trapézio, na cama é que não prestava.
Chorou, amuaram, fizeram as pazes, zangaram-se outra vez quando quebrou o telemóvel. Palavra puxa palavra desmarcaram as férias, ele ontem disse-lhe para ir passar uns dias com a mãe, e depois se verá.