Pôr-do-sol em
Santorini
No começo do ano são aquelas conversas sobre as férias, para onde se irá,
para onde se gostaria de ir se o dinheiro sobrasse, que loucuras se não fariam
tendo a sorte de ganhar o Euromilhões. No mínimo uma volta ao mundo e tudo de
primeira.
Agora que os veraneantes começam a regressar ouve-se a mistura habitual de
entusiasmos e decepções, as eternas demoras nos aeroportos, as má surpresas nos
restaurantes, os enganos, as mentiras dos folhetos. O Miguel foi duas semanas para
Antalya, certo de que com a desvalorização
da lira ia ser pelo preço da chuva, mas voltou de lá escaldado, porque como se
nada tivesse acontecido, os turcos mantêm os preços em euros.
Para o Chico Gouveia e a Aninhas era o sonho de visitarem a Grécia, e
depois de meses a procurar na internet ainda hesitavam entre Atenas, Creta ou
Mykonos, para num impulso romântico decidirem por Santorini. Voltaram a semana
passada e o Chico é categórico: - Não foi mau, mas palavra, nunca mais!
Conta ele que nas ruas estreitas já é difícil andar, mas quando se aproxima
a hora do famoso pôr-do-sol, em que o casario branco se torna primeiro amarelo, depois azul, e finalmente
vermelho, vieram-lhe à lembrança aquelas fotografias dos comboios no Bangladesh
com montes de gente nos tejadilhos das carruagens.
- As pessoas queixam-se da Baixa, mas não se compara.
O Zé Cerqueira ouvia calado, abanando a cabeça e de lábios franzidos,
naquele jeito que tem de mostrar que arranja sempre maneira de ser do contra.
Dessa vez, porém, reservava uma surpresa. Ir tão longe para admirar um
pôr-do-sol, pura estupidez e dinheiro mal gasto, quando havia melhor no Cabo de
São Vicente.
Como se fôssemos miúdos da escola onde ensina, contou-nos então que os Romanos
lhe chamavam Promontorium Sacrum, depois de lá terem construído um templo dedicado
ao deus Hércules, e ser um lugar mágico, onde o Sol no poente parecia cem vezes maior que noutros sítios, e ouvia-se
o formidável ruído que fazia ao entrar
no Oceano. O geógrafo árabe Al-Idrisi escreveu
que no seu tempo, no séc. XII, os cristãos tinham ali uma igreja onde guardavam
as relíquias de São Vicente, que depois seriam levadas para Lisboa num navio
miraculosamente guiado por dois corvos. E era contando os gritos dos corvos,
que constantemente sobrevoavam a igreja, que os frades sabiam quantos
peregrinos vinham a caminho, e assim aprontavam para todos uma boa refeição.
O Cerqueira deixou-nos de boca
aberta, porque é das matemáticas e diz que nunca lê um livro.