A idade das
mães
Pequenas e grandes inquietações,
sustos de todo o tamanho, desde a infância à velhice o medo de vez quando faz-nos
companhia, mas muito sofre aquele que a
toda a hora apenas vê sombras e teme uma
tragédia, pois isso não é vida.
Até cerca de um mês antes do almoço
com o Zé Castilho, o Deodato poderia afirmar não ser homem de medos, tanto pelo
seu optimismo como pela boa sorte de ter nascido em família desafogada. Vivia
em paz com a mulher e os dois rapazes, tinham saúde, a fábrica de calçado herdada
do padrinho prosperava como nunca antes, uma única vez estivera num hospital, devido
a ter partido uma perna a esquiar em
Andorra.
Custou-lhe bastante ter incomodado
o Zé, porque entre o consultório, a clínica e o hospital, ele costuma dizer que
nem para respirar tem tempo. Depois no restaurante também se sentira pouco à
vontade, porque além de não saber como entrar no assunto, receava que,
desapontado, o amigo não tomasse a sério a sua preocupação.
Iam começar a sobremesa quando de súbito
pousou talher, bufando como quem esvazia o peito: - Vais desculpar, mas há uma maluquice
que não me sai da cabeça, e para ver se sossego queria que me dissesses se já
tens tido casos em que…
O Zé Castilho encarou-o com a
expressão serena e paciente aprendida em trinta e dois anos de Psiquiatria, mas
em vez de continuar com o assunto o Deodato pareceu arrepender-se, resmungou um
‘Deixa lá, fica para outra altura’, mostrando depois um exagerado apreço pela
sobremesa.
Psiquiatra experiente, o Castilho
entrou no jogo fingindo desinteresse, certo de que se agora lhe faltava coragem
o Deodato voltaria a falar do caso. Aliás, a Margarida já lho tinha contado,
preocupada com a obsessão do marido, de que não demoraria a morrer. Não porque se
sentisse doente, mas pelo alarme que lhe causara o ter lido um estudo de um
cardiologista de Baltimore, que dava como provado ser o tempo de vida das mães
determinante para o tempo de vida dos filhos.
- Para as filhas não, Margarida! Só
para os filhos! – repetira o Deodato, às passadas na sala, alarmado, recordando
o AVC fulminante que a mãe tinha sofrido, três dias antes de fazer cinquenta e um
anos.
- Isso dá-me o quê? Ano e meio?
Dois? Tenho quarenta e nove, não é? Imagina
que uma tarde estamos aqui como agora, e de um momento para o outro caio
redondo.
Estonteado, viu-a baixar os olhos e
virar-lhe as costas, para esconder o sorriso. Do resto não se lembra. O juiz
disse que quase a tinha matado e deu-lhe dois anos de pena suspensa.