terça-feira, fevereiro 12

A idade das mães



A  idade das mães


Pequenas e grandes inquietações, sustos de todo o tamanho, desde a infância à velhice o medo de vez quando faz-nos companhia, mas muito sofre aquele que  a toda a hora  apenas vê sombras e teme uma tragédia, pois isso não é vida.
Até cerca de um mês antes do almoço com o Zé Castilho, o Deodato poderia afirmar não ser homem de medos, tanto pelo seu optimismo como pela boa sorte de ter nascido em família desafogada. Vivia em paz com a mulher e os dois rapazes, tinham saúde, a fábrica de calçado herdada do padrinho prosperava como nunca antes, uma única vez estivera num hospital, devido a ter partido uma  perna a esquiar em Andorra.
Custou-lhe bastante ter incomodado o Zé, porque entre o consultório, a clínica e o hospital, ele costuma dizer que nem para respirar tem tempo. Depois no restaurante também se sentira pouco à vontade, porque além de não saber como entrar no assunto, receava que, desapontado, o amigo não tomasse a sério a sua preocupação.
Iam começar a sobremesa quando de súbito pousou talher, bufando como quem esvazia o peito: - Vais desculpar, mas há uma maluquice que não me sai da cabeça, e para ver se sossego queria que me dissesses se já tens tido casos em que…
O Zé Castilho encarou-o com a expressão serena e paciente aprendida em trinta e dois anos de Psiquiatria, mas em vez de continuar com o assunto o Deodato pareceu arrepender-se, resmungou um ‘Deixa lá, fica para outra altura’, mostrando depois um exagerado apreço pela sobremesa.
Psiquiatra experiente, o Castilho entrou no jogo fingindo desinteresse, certo de que se agora lhe faltava coragem o Deodato voltaria a falar do caso. Aliás, a Margarida já lho tinha contado, preocupada com a obsessão do marido, de que não demoraria a morrer. Não porque se sentisse doente, mas pelo alarme que lhe causara o ter lido um estudo de um cardiologista de Baltimore, que dava como provado ser o tempo de vida das mães determinante para o tempo de vida dos filhos.
- Para as filhas não, Margarida! Só para os filhos! – repetira o Deodato, às passadas na sala, alarmado, recordando o AVC fulminante que a mãe tinha sofrido, três dias antes de fazer cinquenta e um anos.
- Isso dá-me o quê? Ano e meio? Dois? Tenho quarenta e nove, não é?  Imagina que uma tarde estamos aqui como agora, e de um momento para o outro caio redondo.
Estonteado, viu-a baixar os olhos e virar-lhe as costas, para esconder o sorriso. Do resto não se lembra. O juiz disse que quase a tinha matado e deu-lhe dois anos de pena suspensa.