Os milhões do coronel
Confesso que sigo com interesse,
e também alguma malícia, os processos de Sócrates, Espírito Santo, Vara, Bava,
Granadeiro e quejandos. Essa malícia causa-ma, sobretudo, a “ingenuidade” de
que dão prova os protagonistas, um pouco à maneira das crianças que, apanhadas
em falta, juram “não fui eu que fiz” ou “foi aquele menino”, curiosa maneira de
reagir à evidência dos factos. Mas em matéria de ingenuidade os personagens
secundários não lhes ficam atrás, e seja a Sofia, a Fernanda, e agora a Inês,
nunca souberam, nunca viram nem ouviram, é como se de repente sofressem a falta
de memória de quem chegou à terceira idade.
Na semana passada, ao ler que
Inês às vezes tinha em casa cinco ou dez mil euros “para as despesas
domésticas”, veio-me à lembrança um caso que há meses está a ser julgado em
Moscovo, e no qual a sogra do arguido disse à Polícia não se lembrar dos
600.000 dólares que apontara num caderninho, mas que isso de certeza “tinha a
ver com uns trocos”.
A semelhança entre ambos os
casos acaba aí, porque em qualidade de enredo, personagens, somas de dinheiro
envolvido e andanças sentimentais, a telenovela do coronel Zakharchenko, o
“coronel Casanova”, leva a palma.
Este oficial de 39 anos,
encarregado de chefiar o combate à corrupção, dava às amantes milhões de
dólares, carros de gama alta e apartamentos de luxo, com a facilidade de quem oferece ramos de flores.
Não há dúvida de que se podia
permitir essa largueza, pois ao revistar-lhe a casa a Polícia encontrou 124
milhões de dólares, 1,4 milhão de euros, 324 milhões de rublos e uma barra de
ouro. Que os milhões de dólares fossem em notas novinhas e intocadas, dá que
pensar, e também é mistério que um
militar que ganha € 4.000 disponha de semelhante capital, mas mais curioso
ainda é o facto do coronel afirmar que ignorava ter aquilo em casa, e também
que não apareça quem se diga dono.
Seja como for, e aconteça isso na
Rússia, em Portugal, na Bolívia ou no Paquistão, semelhantes processos arrastam-se
anos nos tribunais, pouco valendo que os juízes sejam incorruptos, pois como
vimos no recente debate entre o senhor Rio e o senhor Santana, o geral dos
políticos tem um apreço limitado pela Justiça independente.
Triste augúrio que confirma a
certeza de que embora de tanto em tanto tempo as moscas mudem, continuará igual
a estrumeira em que nos deixam.
PS. Curiosos detalhes
sobre o caso Zakharchenko: http://www.dailymail.co.uk/news/article-4858538/Moscow-anti-corruption-cop-four-lovers.html