O gosto de exagerar
Porque
vivemos longe os nossos encontros são espaçados, mas continuo a achar
surpreendente que ao longo de tantos anos, cada vez que nos vemos o Arnaldo Barros
me leva a recordar um personagem de Eça de Queirós. No seu romance A Relíquia retrata-nos o Dr. Margaride,
“um homem corpulento e solene, já calvo, com um carão lívido, onde destacavam
as sobrancelhas cerradas, densas e negras como carvão.”
Ora acontece
que se no físico o Arnaldo – um magricelas de cara chupada, cabelo ralo, olhos
tristes - é o oposto do Dr. Margaride, mostra-se seu gémeo quando se trata de
um acontecimento ou desastre. “Uma fumaraça numa chaminé” era para o jurista
“um incêndio medonho na Baixa”, e justificava ele esse gosto doentio pelo
exagero afirmando: “Ninguém como eu saboreia o grandioso”. Também assim é para
o Arnaldo, que falando certa vez de um princípio de incêndio nos arrumos da
vizinha, contava que se não fosse a rapidez dos bombeiros teria havido ali um
Pedrógão.
Mas onde o
seu apreço pelo exagero dá cartas é quando avalia os políticos, destacando-se então pela rara qualidade de nenhum
criticar, pois no seu dizer, todo aquele que dedica a vida ao serviço da Pátria
merece consideração. E se há um ou outro que não cumpre ou mete pelo mau caminho,
é nosso dever recordar que ninguém é perfeito.
Mário Soares
continua a ser para ele a figura de topo, quase lhe merece um grau de
santidade, mas concede que o Primeiro Ministro já deu mostras de que não lhe
fica muito atrás. Aí chegado faz uma pausa a tomar fôlego, cerra ligeiramente
os olhos, as palavras saem-lhe pausadas, solenes, num tom definitivo:
- António
Costa é um Churchill!
Não sou quem para o contradizer, tanto por falta de conhecimento do senhor, como por desinteresse, e ainda pelo génio azedo do meu amigo, que logo se zanga quando alguém discorda.
Não sou quem para o contradizer, tanto por falta de conhecimento do senhor, como por desinteresse, e ainda pelo génio azedo do meu amigo, que logo se zanga quando alguém discorda.
- Um
Churchill! – insiste ele com um ar de desafio, que não resulta porque tomei a
mim o papel do bom espectador: calado, meneando ligeiramente a cabeça a mostrar
que estou atento.
- E agora
diz lá, a quem se pode comparar o Presidente Marcelo?
Encolhi os
ombros, porque de facto não saberia responder, mas como o Arnaldo aceita mal
que lhe estraguem o jogo, começou ele próprio com sugestões, embora de figuras
históricas que hoje pouco ou nada dizem à maioria: Talleyrand, Disraeli, Cromwell,
Richelieu, Potemkine…
Então, talvez
porque eu lhe parecesse desinteressado, tomou um ar de conspirador e sussurrou-me
um nome ao ouvido.
Fiquei zonzo,
ainda estou a recuperar.