É porta sim, porta não!
Há tragédias que chegam como que por procuração, o que é
muitas vezes o caso dos pais que de repente se vêem a braços com a desgraça dos
filhos.
Alguns sofrem o revés, outros lutam, este e aquele aceita o
destino, o que não é o caso da Filomena, que há tempos não consegue dormir, avisando
que se perde a cabeça é capaz de fazer uma
asneira. Quem a conhece sabe que talvez não seja tanto ao mar nem tanto à
terra, mas de facto hoje em dia as pessoas perdem a cabeça por um dá cá aquela
palha. A Filomena, contudo, sendo quem é e pensando como pensa, não pode ver as
coisas doutro modo.
Nascida há sessenta anos e criada nas normas de antigamente,
tendo conhecido um só homem, o Adriano,
parido um só filho, o Rogério, e viúva desde os trinta e oito, diz ela
que já não compreende o mundo. As guerras e os terramotos não lhe interessam, isso
é televisão e lá longe, mas para o que por assim dizer lhe acontece ao pé da
porta, e agora dentro da própria casa, outro galo canta.
Estavam na paragem quando a Cidália lhe segredou que afinal era
verdade, a Aninhas tinha posto os cornos ao Marcelino, deixara-lhe os filhos e
estava de casa e pucarinho com um da EDP. Respondeu-lhe que se ele a deixava
vestir-se daquele jeito e andar na vadiagem, o Marcelino estava mesmo a pedir a
cornadura. Uns dias depois foi a filha do Bandeira, e de repente não se falava
noutra coisa, diziam que nalgumas ruas era porta sim porta não, noutras eram as
portas todas, as casadas tinham perdido a cabeça e se um ou outro marido
ameaçava iam queixar-se, era logo tribunal.
Há coisa de um mês, de repente está ali o Rogério, o seu tudo,
a chorar, a fala presa nos soluços. Teve medo que fosse outro incêndio na
serralharia ou o Pedrinho doente, quando ele disse “Foi a Esmeralda” ainda
pensou num desastre, mas a seguir ia desmaiando, ele teve de repetir:
- Fugiu!
- Com o Anastácio?
- Não, Mãe, com a Soraia do Seixas. E levou o Pedrinho .
Foi-se-lhe o entendimento. Que a nora era má rês há muito o
sabia, que fosse das tais era novidade, mas as coisas não iam ficar assim.
- Vai lá, dá-lhe uma carga de porrada!
Bem queria esquecer, mas a cada instante revê o medricas do
filho a dizer-lhe ‘Já não se pode! Dá cadeia!’
Ai dá? Se era assim e ele não os tinha no sítio, ia ela
mostrar-lhe como um par de tabefes deixava a putinha de molho. E queria o
Pedrinho.
Ainda o não fez, nem tem força para dizer ao filho que se
arrependeu, passa noites em branco a perguntar-se por que será que não
compreende o mundo.