terça-feira, fevereiro 12

A sorte da Luisinha


A sorte da Luisinha
No meio em que agora vive, quando lhe perguntam de onde é a Luisinha responde com um vago ‘sou do Norte’. Isso em parte para esconder a sua origem, mas também porque se dissesse ter nascido na aldeia de tal, na Falperra, por certo teria de explicar que a Falperra é uma serra, onde fica, depois esperariam que dissesse o nome do sítio, se os pais ainda eram vivos, se tinha irmãos, tudo detalhes em que nunca entra.
Nasceu no lugar errado, entre gente que vive e pensa como no tempo dos afonsinos, e lá teria ficado não fosse o susto que apanhou uma manhã, ao ver que já mal apertava a saia. Fugiu com a roupa do corpo, sem adeuses, mas graças ao Céu era só medo e falso alarme, a semente do Daniel não dera fruto. O caso é que ao provar a liberdade gostou tanto do sabor que cortou radical com o passado, o que nada lhe pesa. Desde então não lhe interessa nem quer saber quem está vivo, doente ou já morreu, e quando em Agosto viu na televisão que havia incêndios na Falperra, olhou para as imagens com o genuíno desinteresse da lisboeta que há trinta e dois anos é.
Homens há muito que não ‘usa’, e a curiosidade que sentiu por mulheres foi sol de pouca dura, de modo que depois de duas aventuras e meio ano com a Cleonice, beldade de Garanhuns, no Pernambuco, está mais que certa que tanto valem eles como elas, é tudo a mesma corja.
Boa recordação só guarda do Frederico, que morreu novo, a deixou rica, e é o  único com retrato na sala. Fazia-lhe as vontades, soube desempenhar à perfeição o papel da esposa à moda antiga, uma única vez esteve a ponto de fazer uma asneira que lhe sairia bem mais cara do que o presente que lhe comprara.
O Frederico sofria daqueles acessos de sovinice que só os ricos conhecem. Sonhava com uns auscultadores Sony, andara a rondá-los umas quantas vezes, mas não conseguia desembolsar os 499 euros e voltava para casa, revoltado com a carestia.
Luisinha foi à FNAC, mandou que fizessem um embrulho bonito, depois do jantar arriscou-se a descer com ele à cave, um misto de ginásio e escritório onde só Frederico podia entrar.
Abriu uma frincha da porta, afastou um nada o reposteiro e perdeu o fôlego: em pêlo defronte do computador, Frederico dava uns passos de dança e ria, no chat com um barbudo, também nu e a língua tão de fora que quase enchia o ecrã.
Afastou-se em bicos de pés e levou o presente para o quarto. Nessa noite, e depois meses a fio, satisfez-lhe os vícios, escravizou-o com gozos e variações. De nada valeu que o médico o avisasse.