A sorte da Luisinha
No meio em que agora vive, quando lhe
perguntam de onde é a Luisinha responde com um vago ‘sou do Norte’. Isso em
parte para esconder a sua origem, mas também porque se dissesse ter nascido na
aldeia de tal, na Falperra, por certo teria de explicar que a Falperra é uma
serra, onde fica, depois esperariam que dissesse o nome do sítio, se os pais
ainda eram vivos, se tinha irmãos, tudo detalhes em que nunca entra.
Nasceu no lugar errado, entre gente que vive e pensa como no
tempo dos afonsinos, e lá teria ficado não fosse o susto que apanhou uma manhã,
ao ver que já mal apertava a saia. Fugiu com a roupa do corpo, sem adeuses, mas
graças ao Céu era só medo e falso alarme, a semente do Daniel não dera fruto. O
caso é que ao provar a liberdade gostou tanto do sabor que cortou radical com o
passado, o que nada lhe pesa. Desde então não lhe interessa nem quer saber quem
está vivo, doente ou já morreu, e quando em Agosto viu na televisão que havia
incêndios na Falperra, olhou para as imagens com o genuíno desinteresse da
lisboeta que há trinta e dois anos é.
Homens há muito que não ‘usa’, e a curiosidade que sentiu
por mulheres foi sol de pouca dura, de modo que depois de duas aventuras e meio
ano com a Cleonice, beldade de Garanhuns, no Pernambuco, está mais que certa que
tanto valem eles como elas, é tudo a mesma corja.
Boa recordação só guarda do Frederico, que morreu novo, a
deixou rica, e é o único com retrato na
sala. Fazia-lhe as vontades, soube desempenhar à perfeição o papel da esposa à
moda antiga, uma única vez esteve a ponto de fazer uma asneira que lhe sairia bem
mais cara do que o presente que lhe comprara.
O Frederico sofria daqueles acessos de sovinice que só os
ricos conhecem. Sonhava com uns auscultadores Sony, andara a rondá-los umas
quantas vezes, mas não conseguia desembolsar os 499 euros e voltava para casa,
revoltado com a carestia.
Luisinha foi à FNAC, mandou que fizessem um embrulho bonito,
depois do jantar arriscou-se a descer com ele à cave, um misto de ginásio e
escritório onde só Frederico podia entrar.
Abriu uma frincha da porta, afastou um nada o reposteiro e perdeu
o fôlego: em pêlo defronte do computador, Frederico dava uns passos de dança e
ria, no chat com um barbudo, também nu e a língua tão de fora que quase enchia
o ecrã.
Afastou-se em bicos de pés e levou o presente para o quarto.
Nessa noite, e depois meses a fio, satisfez-lhe os vícios, escravizou-o com gozos
e variações. De nada valeu que o médico o avisasse.