A amnistia do Presidente
Se assim lhes apetecer chamem-lhe
curiosidade doentia, mas desde que ocorreu o extraordinário acontecimento que
foi a prisão do ex-Primeiro Ministro na
sua chegada a Lisboa, faz agora três anos, sigo com interesse e diligência o reality show em que se vem tornando esse,
até à data, caso único na História de Portugal.
Ao longo do mesmo período não têm
faltado sobressaltos, interpelações, promessas de que o desfecho está para
breve, só que à medida que as datas do julgamento são anunciadas, e logo de
seguida corrigidas, a minha curiosidade desce a um ponto que, dissesse ela
respeito ao interesse por uma programa de televisão, os responsáveis certamente
o tirariam do ecrã.
Evidentemente, também eu sei que
Roma e Pavia não se fizeram num dia, que os tribunais são morosos, processos
desta importância exigem toda a espécie de cuidados. Porém, quando na semana
passada li que, finalmente prontos, os autos principais têm “cerca de 45 mil
páginas, divididos por 115 volumes, havendo ainda 904 apensos com um número
total de páginas desconhecido”, a minha reacção foi de desalento. Porque o mais
provável é que mesmo os que agora têm sessenta anos, em vez dos meus oitenta e
sete, não assistam ao desenlace.
Assim o prevejo, não somente
porque o interesse dos advogados será em demorar o mais possível o fim da
galinha dos ovos de ouro, mas também porque os arguidos, não obstante as suas
afirmações de penúria, disporão sempre do apoio financeiro daqueles amigos
mãos-largas que, desinteressados, emprestam sem garantias, juros ou recibo.
Pode ainda acontecer que, com a
possibilidade do processo se arrastar por décadas, o Estado, curto de fundos,
seja levado a concluir que o Orçamento não suporta tanta despesa.
Dando largas à fantasia, ocorreu-me
que nessas circunstâncias teria cabimento optar pela solução usada nos
tribunais americanos, a de um arranjo entre as partes, em que por um lado se
poupa tempo e dinheiro à Justiça, e os acusados ganham perdão ou vêem reduzida
a pena.
Tal como o imagino, o cenário
seria mais ou menos o seguinte: em Novembro de 2018, com argumentos credíveis, o
tribunal anunciava que desistia de uma parte da acusação, mas condenando alguns
dos arguidos a um período de cárcere. Essa mudança teria lugar em meados de
Dezembro, as televisões registariam a entrada dos condenados na Penitenciária,
mas dias depois víamo-los a sair, porque o Presidente da República, usando a
sua prerrogativa natalícia, tinha decretado uma amnistia geral.