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Agora que o Ministro mente, o Primeiro-Ministro
esquece, o Presidente da República não se ouve, recordo esta
triste confissão, feita aqui pela primeira vez seis anos atrás, e que tantas vezes repito, incapaz de esquecer a mágoa.
Precoce na leitura, cedo comecei a sonhar e a ter pena
do meu país. Aprendi que lá longe havia outros sem medo nem miséria, de leis
justas, menos desigualdade, menos desespero, os seus cidadãos e governantes
mais interessados no futuro do que em glórias passadas.
Parti, quando a minha hora soou. Ingénuo bastante para
me maravilhar, mas cedo consciente do fosso entre a realidade que observava e
os sonhos que tivera. Além fronteiras não havia paraísos, mas sociedades onde a
esperança de melhoria era um facto, a desigualdade menos gritante, a repressão
inexistente, a liberdade um direito sagrado. Fui vendo, estudando, comparando,
e continuei a ter pena da terra onde nasci.
Não me entusiasmou depois o florescer dos cravos, e
espero o investigador de hombridade que faça a barrela desse momento histórico,
mostre os interesses que a ele levaram, ponha nome nos fantoches e em quem
segurava os cordéis.
Passaram os anos. Sentindo mais funda a pena, vi o meu
país de mão estendida. Com espanto vi-o depois a esbanjar o que não tinha,
governantes e governados dando o espectáculo da mais incrível pelintrice, de
uma inconsciência que só dos pobres de espírito se espera, tomando por
realidade o país de Cocagne.
Vivendo no conforto de uma sociedade rica, justa, bem
organizada, materialmente não sofro com a desgraça daquela em que nasci, mas
nem por isso me dói menos o esfregar sal na ferida.
Curioso povo, o meu, onde gente supostamente séria e
competente enrouquece a gritar que as dívidas dos países não se pagam. Para que
fingem? Com que fim iludem? Pagam, e com língua de palmo, que quem dita os
termos não é o caloteiro, mas aquele que tem numa mão a faca e o queijo, e na
outra a corda com que o enforca.
Com tristeza o digo e consolo não sinto: na minha
idade é nula a esperança que tenho de ver Portugal sair do atoleiro e da
miséria. Resta-me o sonho de que os que agora são jovens, e os que vierem,
construam um país de que se possam orgulhar e não lhes doa como este a mim dói.