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Como todos os lados têm a sua razão e bons motivos, é pena
perdida discutir o problema dos refugiados. O dia chegará em que olharemos para
trás, surpresos do que não vimos, recusamos ver, não compreendemos a tempo,
perguntando-nos então se foi estupidez, medo ou cobardia.
Entretanto há a avalanche de notícias, reportagens,
fotografias dramáticas, mas também os ocasionais faits divers que se testemunham com o misto de irritação e desdém
que a arrogância provoca.
Aconteceu a semana passada, mas ainda engulo em seco,
continuo incapaz de, como bom cristão, pessoa decente e amigo do próximo,
encontrar a boa resposta para os meus sentimentos.
O supermercado é grande, luxuoso, a maioria da clientela
tem a aparência e a serenidade que provém da abastança e da boa educação. Nessa
tarde andavam por ali umas centenas de pessoas, fazendo calmamente as suas
compras, mas no ambiente destoavam os dois homens e a rapariga que iam ao longo
das prateleiras como se examinassem os produtos, pegando nisto, desarranjando
aquilo, fazendo cair uma ou outra embalagem que deixavam no chão, desarrolhando
frascos a fingir que cheiravam, pondo-os depois noutra prateleira.
Teriam à volta de trinta anos, estavam quase
elegantemente vestidos, riam alto e muito, falavam árabe, pelo aspecto poderiam
ser afegãos, iraquianos ou sírios, notava-se a desagradável, quase agressiva
maneira de encarar as pessoas.
De súbito, gargalhando, um deles gritou em excelente
inglês: -Yes! We are refugees! And this is a shit country! Believe me, it's a shit country!
Se esperava comoção não resultou, as pessoas desviaram
calmamente os olhos e continuaram as suas compras.
- Call de Police! Yes, it's a shit country! –
gargalhou ele.
Mas ali não se chama a Polícia por tão pouco e o
estabelecimento nem sequer tem seguranças. Veio o gerente que educadamente lhes
pediu que saíssem.
E eles saíram, dobrados de riso, deixando uns quantos de
nós a perguntar-se o que poderá acontecer quando gente assim for em maioria.
Bem sei, é um caso, nada prova, nada diz. Como nada diz
que a coisa de um quilómetro de minha casa haja um acampamento de refugiados
onde se vê uma meia dúzia de mastros com as bandeiras pretas e brancas do Estado
Islâmico, e onde a Polícia não entra.