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O texto que segue foi escrito quatro anos atrás, numa ocasião em que, durante um dia e pico, a Morte (sim, com maiúscula, a de capa negra e foice na mão) se sentou ao meu lado. Medo não senti, antes curiosidade.
Repesco-o agora, em boa saúde, mas arreliado e triste, rogando
pragas a todos aqueles que, há quarenta anos, se afadigam a tratar dos seus
interesses pessoais, das suas vaidades, das tolas ganas de poderio, e dão de
Portugal a imagem de um país que espelha o seu próprio chico-espertismo.
Na minha idade, a morte próxima, tenho horas em que
faço contas, revejo sonhos, listo aspirações. Em primeiro lugar o desejo de que
a minha morte não seja súbita. Quero tempo para me despedir dos que amo, dos
amigos que tenho, horas para recordar os que me fizeram bem, ensinaram caminhos
e abriram horizontes.
Quero tempo para rememorar e agradecer a minha vida,
aventurosa, variada, rica de paixões, de fúrias, alegrias, negrumes, amores,
alturas e precipícios, e que por vezes, como que fora de mim, iluminou o palco
e me fez espectador privilegiado do espectáculo.
Quero horas para me despedir do pobre país em que vim
ao mundo. Relembrar que o amei como se fosse gente, me senti menino acarinhado
e feliz no seu regaço. Que dele aprendi a língua, única no modo de
embalo, aquela que para lá do sentido das palavras deixa entrever os mistérios
da música e do eterno.
O país da suavidade, do desespero, dos sonhos
infantis, das mãos pobres que um nada enche, do sofrimento envergonhado e
amanhãs que nunca chegam.
Irei sem perdoar aos que o rebaixam.