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Confidência para os jovens colegas, os candidatos a escritor e aqueles que sonham "começar um dia destes a escrever um romance":
Há um tempo – não vou dizer
quanto, para não correr o risco de que pensem que exagero – que tento escrever
um novo romance. De modo geral, embora ainda confuso e sujeito a toda a sorte
de mudanças, já tenho o arcaboiço. Tenho também uma ou outra cena, diálogos,
descrições disto, daquilo, ambientes, o todo um tanto confuso e ainda sujeito a
variações bruscas.
Como não tomo notas nem
faço esquemas, o processo mental é cansativo, demorado, caótico, tem alguma
semelhança com o assistir em desordem, e por vezes em simultâneo, a cenas de
vários filmes. Porque assim é, e ao fim de muitos meses ou anos resulta em
obra acabada, continua a surpreender-me.
Em aparência, pois, o
grosso do trabalho está feito. Falta-me, contudo, o essencial e primordial
começo, a frase, o momento indispensável para "agarrar" a atenção
do leitor, surpreendê-lo de modo a que se entusiasme e ganhe interesse pelo que
lê.
Tenho a cena de um homem
com uma carabina apoiada no rebordo da janela. Aponta, regula as linhas do visor até que o cruzamento
se faz na imagem da cabeça do que vai ser vítima. Mas irá disparar e matar?
Hesita ainda? A mulher entra, interrompe-o, fá-lo mudar de ideia? A mulher
estaca e tapa os ouvidos à espera do disparo?
A primeira cena, as frases
iniciais: esse é o grande bico de obra.
………..
PS. Em The Postman Always Rings
Twice James M. Cain escreve um começo de simplicidade genial: "They threw me off the hay truck about noon. I had swung the night
before, down at the border, and as soon as I got up there under the canvas, I
went to sleep."