O texto que segue é
ficção e data de Janeiro de 2009. Lembrei-me dele quando dias atrás me vi a
tomar parte numa conversa em que, embora diferentes, o teor e os subentendidos
estranhamente mo trouxeram à lembrança.
"Entro
e vou sentar-me junto dos outros em volta da lareira. Quatro mulheres, dois
homens. A conversa interessa-os de tal modo que mal me encaram, e ao
“Boas-tardes” respondem com um breve aceno.
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Esse era o Gaspar.
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Ai não era o Júlio?
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Não. Esse era o Gaspar, o que casou com a Celeste. A mais nova.
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Mas então o Júlio..
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O Júlio é o que tinha a loja de panos.
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O que foi para Angola?
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Exactamente.
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O irmão já lá estava.
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O irmão já lá estava, e continua a estar, mas dá-se mal com o clima.
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A minha sobrinha é o contrário. Só gosta de calor. E praia. Agora anda a
pensar...
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Mas então o Gaspar não foi o que esteve mal dos pulmões, e depois houve um
acidente qualquer....
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Não. O Gaspar teve um cancro. Dizem que se calhar...
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E a Celeste?
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Também lá está. Mas se ele falecer volta logo, porque se dá muito mal com a
pretalhada.
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A minha sobrinha também não gosta nada deles. Nem os garotos. A mais novita
anda sempre a pedir... Coitadinha! É muito engraçada, aquela menina!...
Ajoelha-se diante da mãe, de mãos postas, Ó mamã! Vamos embora! Ó mamã! Vamos
embora!... Riem-se muito com ela!
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Quanto valerá o terreno que os Macedos têm ao pé da bomba de gasolina?
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Pelo que fica atrás da farmácia deram quinze mil e quinhentos contos. Agora...
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Quanto é isso em euros? Chega aí um papel.
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Ontem na Urgência encontrei o Sebastião com a mãe. Parece que não escapa.
Querem levá-la para o Porto, mas ouvi dizer...
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Também com aquela idade!
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Seiscentos e quarenta mil e...
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Não pode ser! Dá cá o papel.
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A Alice já devia ter chegado. Será por causa do irmão?
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Ela costuma avisar. Mas hoje ainda não telefonou.
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Amodorrei. Depois, perdido nos meus pensamentos e hipnotizado pelas chamas,
devo ter cabeceado. Levantei-me como quem procura qualquer coisa e saí sem
ninguém dar conta."