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Tinham-me convidado, insistindo que não faltasse, e lá fui. Ao “Jantar dos Escritores da Esquerda”, organizado “Célula dos Escritores Comunistas” no Mercado do Povo, em Belém. Dezoito de Junho de mil novecentos e setenta e sete.
Da esquerda ou não, entre
amigos, menos amigos, olás, conhecidos, desconhecidos, ilustres e menos
ilustres, estavam ali tutti quanti que dum ou doutro modo tinham a ver
com as Letras. Recordo Mário Dionísio, Manuel Ferreira, Jorge Reis, Isabel da
Nóbrega, Eduardo Prado Coelho, José Gomes Ferreira, Baptista-Bastos, Álvaro
Guerra, José Cardoso Pires...
Tirei más fotografias, ouvi
isto e aquilo, com um sorriso releio algumas das anotações que fiz desse
longínquo jantar.
O que o preocupava era saber
em que momento iriam cantar a ‘Internacional’, porque teria de sair antes.
- Tenho de sair antes, pá,
senão estou lixado! Por causa do jornal!
Inquieto, os olhos a rebolar,
num sobressalto quando o Rui Nunes, agarrando-o pelo braço lhe perguntou:
- Onde é que se mija?
- "O P... quis fazer cá
uma Associação dos Grandes Resistentes Antifascistas. Só desistiu pelo perigo
que lhe apontei de que os mal intencionados fariam logo gracinhas com as várias
associações de ‘Grandes Feridos, Grandes Mutilados, grandes isto e grandes
aquilo, como há em França. Por isso é que a coisa não avançou. Uma
pena!"
Num bom discurso Mário
Dionísio falava de Alves Redol. Sentado ao meu lado, X., que só bebia água,
levantou-se e, sem razão que se adivinhasse, apontando-me, interrompeu o orador
com um grito:
- É nossa obrigação! Devemos!
Temos de auxiliar os filhos dos nossos emigrantes! Esses valorosos obreiros que
lá fora lutam para que...
Mas a conclusão não vinha e
Mário Dionísio retomou o discurso.
Quase no fim, quando já se
tinha bebido o bastante para esquecer o que nos juntara ali:
– As nossas Forças Armadas,
com aqueles alamares, aqueles debruns, os galões dourados, e fitas, e palmas,
medalhas...
- E uns naviozitos que se não
são traineiras pouco lhes falta!
- Espera aí! Ao dizer Forças
Armadas eu estava a pensar no Exército, só no Exército!
- Errado! A
Marinha também é Forças Armadas, muito bem assim como os paraquedistas, os
comandos, a GNR...
- A GNR?
- Pois claro! E a Guarda
Fiscal, o Otelo, e o outro... aquele gordo!...
- O Ernesto Lourenço?
- Não! O Ernesto é o outro!
Eu digo aquele, um que...
- O Vasco?
- Exactamente.
- Mas em termos de, digamos,
neste contexto, em termos de revolução...
- Ah! Você não leu Marx, não
leu o Engels!...
- Não digo que li ou deixei
de ler! Nem isso aqui importa. Aliás, você interrompe-me sem saber o que vai
seguir!
- Diga lá.
- Pois bem, em termos de
revolução...
Mas nesse momento chegou C.,
muito moreno, perguntaram-lhe se vinha do Algarve.
- Do Algarve? Venho do
Alentejo!
Fazendo com os dedos um V e
gritando um alegre "No pasarán!", virou-nos as costas.
- Este filho da puta tem uma
sorte! Vocês já viram a sueca que o gajo arranjou?