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Aquele que escreve sabe que, a menos que lhe dê a
ilusão de que espreita pelo buraco da fechadura, o leitor aprecia pouco os
desabafos. Espera cenas que reflictam, não as suas vivências, mas os sonhos que não
se arrisca a realizar, e lhe forneçam uma espécie de salvo-conduto para a
fantasia.
Exigência difícil de satisfazer e que em geral, por
desespero do autor, conduz à produção daquelas obras de três ao vintém e oitocentas
páginas de grossura, onde ad nauseam
se repetem as vinte e sete posturas que, segundo a afirmação da Princesa
Margaret de Inglaterra, que Deus tenha, fez nos idos de 1962, e mau grado as promessas do Kamasutra, são o máximo que
os músculos e o esqueleto aguentam.
Dias atrás , com um colega holandês, gracejava eu acerca
da bicuda questão de agradar ao leitor, quando ele me surpreendeu, dizendo que
isso o preocupa menos do que o que ultimamente lhe acontece: escreve com
dificuldade porque tem medo dos personagens que cria.
- Mas porquê?
- Tenho medo que encarnem em mim. Ou eu neles.
Como sou prudente, calei-me. Pode ser que o colega esteja
a transtornar. Ou talvez não, ao fim e ao cabo também Flaubert disse: Madame Bovary c'est moi.