(Clique)
É de mau agouro e
contranatura a paz que há décadas, talvez quase um século, reina nas Letras
portuguesas.
Entre os que a elas
se dedicam, e os que as analisam e comentam, há muito desapareceu a máscula troca
de murros e insultos, não há notícia de rixas de café, ameaças, duelos, roubo
de amantes ou acusação de desvios. Tudo se mostra estranhamente sereno, cortês,
cordial, mesmo a birra entre o prócere que aguardava o Nobel, e o felizardo que
o recebeu, se limitou a uma breve e indirecta troca de resmungos.
Semelhante
calmaria forçosamente trará resultados funestos, não se descortina jovem literato que, ansioso de novidade e
mudança, se encoraje a desempenhar o
papel clássico do elefante na loja de porcelana.
Uma situação destas não pode de
facto continuar, é doentia, anormal, toca o absurdo.
Escreveu A. um péssimo
romance classificado com uma única estrela? Pareceria justiça, mas na prosa
acompanhante o crítico desfaz-se em louvores e ditirambos, cita a estreia do
cujo, prevê o êxito da próxima opus.
Deu a jovem B. simultaneamente
à luz um bebé e cento e dezanove páginas de recordações da sua infância em
Aguiar da Beira, estremecem os plumitivos, excitados com a promessa do
excepcional talento.
É péssimo sinal. Entre
louvores, abraços, demasiado respeito pelos ídolos e encorajamentos de infantário,
vão-se as Letras portuguesas serenamente afundando num charco de banalidade, em
parte alguma se descortina o crítico azedo e competente que dê ao coqueiro a forte e muito
precisa sacudidela.