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Depois do Neo-Realismo
Do Time Magazine, 30 de Abril, 1984:
"Dez anos
depois da Revolução dos Cravos, a mera sobrevivência tem-se tornado de facto
uma luta diária para milhares de trabalhadores portugueses… 150.000
trabalhadores das zonas industriais de Lisboa, Setúbal, Porto e Braga, desde há
14 meses não recebem salários, porque os patrões, tantos particulares como
estatais, não desejam ou não lhes podem pagar. Os trabalhadores continuam a
fazer os turnos de trabalho, pois correm o risco de serem despedidos se se
ausentarem durante cinco dias consecutivos… As bandeiras vermelhas da revolução
foram substituídas pelas bandeiras negras, símbolo da fome… Fora as crianças e
os velhos que se vêem a remexer nos caixotes do lixo, a pobreza esconde-se, tal
um vergonhoso segredo… Os artigos de contrabando são vendidos com margens de
lucro que atingem os 400%... O Cardeal Ribeiro chamou a atenção para o que diz
ser 'a preocupante coexistência entre a fome e os sinais de opulência, o
desperdício e a indiferença.' Soares continua decididamente optimista, estando
convencido de que Portugal, a caminho de uma dolorosa entrada na CEE daqui a
dois anos, sofrerá um choque económico que ele considera eminentemente
salutar."
Do Jornal de Letras, 23 de Abril, 1984
"Os
escritórios dos escritores, reinos soltos entre o café e o comboio… Deles
sabemos-lhes as palavras, espiolhamos-lhes as capas nos escaparates das
livrarias, saboreamo-los preguiçosamente no nosso cadeirão favorito...O escritor
F. despreza dicionários: 'A língua que utilizamos tem de estar consubstanciada
connosco. Quero que o vocabulário seja expressivo em valores emocionais,
preocupo-me com a rítmica das frases.' O escritor S.: 'Almoço para escrever e
janto depois de escrever. Tenho sempre um fundo de música dos séculos XVII e
XVIII… Uso uns caderninhos de capa preta luzidia (já não é muito fácil
descobri-los, mas eu encontro-os).'…O escritor G.: 'Escrevo tudo à mão em
caderninhos… Nos cafés vou fumando e bebendo cafés. À noite bebendo água gelada
e fumando… O ideal é fecharmo-nos em
casa e mergulharmos na ficção.'… O escritor B. escreve na sala de jantar, de
madrugada: 'Escrever ficção é uma forma de me fazer e refazer.' O escritor T.
não dispensa o cigarrinho cúmplice: 'Corto imediatamente a bebida que me
distrai a memória vocabular de que preciso, porque utilizo muito o substantivo
adjectivante.'…
"A casa,
musa-mãe da nova escrita portuguesa, sem distinção de sexos. Os cromossomas aparecerão
em pequenos pormenores: o horror à cozinha, a bonequinha de pano. A escritora
H. abre-nos a porta em calças de ganga e sapatos de ténis, e explica
timidamente: 'A casa está mobilada com coisas soltas que fomos arranjando, não
é aquela casa assim decoradinha, não é…''
Nas peças díspares há uma estranha harmonia que rescende às aldeias dos
seus livros…' A escritora L. : 'O ritual mais importante é fechar a porta da
cozinha, isso sim!...' Em cima da secretária a máquina onde as folhas jorradas
a lápis se desnudam de pudores."