sexta-feira, setembro 20

Sextante

(Clique)
As marés da água são regulares, as da vida não têm hora, mudam sem prenúncio, ao gosto do que chamamos os poderes superiores ou de misteriosa roleta.
Desatraco a barca com um genuíno sentimento de surpresa, pois pelas contas que outros tinham feito estava ela menos destinada a retomar a navegação, do que a apodrecer ingloriamente, minada pelo caruncho que ataca tudo o que envelhece.
Vai de manso, porque o recomeço exige precaução, e embora não se trate aqui de evitar escolhos e recifes, o passado recente do arrais convida a pensar duas vezes, talvez três, tomar fôlego antes de se sentir cheio de razão para bradar e fustigar.
Depois dos grandes sustos tudo se mostra muito relativo, perde a urgência, diminui de importância. Se então alguma coisa aumenta é a vontade de fazer um esforçozito extra para compreender o semelhante, aceitar-lhe as manias e desculpar-lhe as certezas.
Vamos lá desprender os cabos, içar as velas, fingir que uma tripulação espera as minhas ordens. Numa mão o sextante, a outra presa ao leme, tomo ares de quem escolheu a rota e sabe para onde vai. Só ares. Que em incerteza do caminho nenhum timoneiro me leva a palma.