(Clique)
As marés da água são regulares, as da vida não têm hora,
mudam sem prenúncio, ao gosto do que chamamos os poderes superiores ou de
misteriosa roleta.
Desatraco a barca com um genuíno sentimento de surpresa,
pois pelas contas que outros tinham feito estava ela menos destinada a retomar
a navegação, do que a apodrecer ingloriamente, minada pelo caruncho que ataca
tudo o que envelhece.
Vai de manso, porque o recomeço exige precaução, e embora
não se trate aqui de evitar escolhos e recifes, o passado recente do arrais
convida a pensar duas vezes, talvez três, tomar fôlego antes de se sentir cheio
de razão para bradar e fustigar.
Depois dos grandes sustos tudo se mostra muito relativo, perde
a urgência, diminui de importância. Se então alguma coisa aumenta é a vontade de
fazer um esforçozito extra para compreender o semelhante, aceitar-lhe as manias
e desculpar-lhe as certezas.
Vamos lá desprender os cabos, içar as velas, fingir
que uma tripulação espera as minhas ordens. Numa mão o sextante, a outra presa
ao leme, tomo ares de quem escolheu a rota e sabe para onde vai. Só ares. Que
em incerteza do caminho nenhum timoneiro me leva a palma.