Cedo gravaram em mim a
ideia do pouco préstimo. "Não vales pra nada!" tornou-se o slogan
dos mais variados momentos, e eficiente lavagem do cérebro, pois se
aplicava igualmente ao corriqueiro, ao acidental, às situações em que, tendo
sido bom, poderia ter feito melhor, e mesmo àquelas em que se me censurava, ora
o excesso de actividade, ora a preguiça.
Mas mal comecei a andar na vida pelo meu pé
e a seguir a própria cabeça, pouco demorou a livrar-me do trambolho, caindo
então no extremo de não dar ouvido a conselhos nem avisos, seguindo o que me
parecia o bom caminho, o qual, nalgumas ocasiões, mostrou ser o do precipício.
Mas das vezes que caí, não voltei a ouvir o
anúncio da minha fraca utilidade, tão-pouco bateram palmas quando, à força de
pulso, e rangendo os dentes, me viram sair dele.
Digo-me então que, ao fim e ao cabo, e
porque a vida é luta, aquele "Não vales pra nada!" talvez faça
sentido: além de provar que reparam em nós, fornece um adversário.