Em Itália, quando na segunda metade dos
anos 30 o Partido Comunista e os sindicatos estavam a ganhar influência
suficiente para destabilizar a sociedade burguesa, The powers that be – a Santa Madre Igreja, a grande indústria e a
banca – excelentes conhecedores do que anseiam os corpos e as almas,
deitaram-se a construir bairros operários confortáveis, mas longe das fábricas,
o que diminuía a vontade de pertencer a sindicatos e participar em reuniões de
contestação. A fase seguinte foi o Fiat 500.
Acessível no preço, económico na gasolina,
o trabalhador italiano tomou o gosto de, no fim-de-semana, levar a
família para a praia. Adeus Marx, adeus Lenine.
Nos anos 60, e na mesma ordem de ideias,
repetiu-se a coisa aqui ao lado, o operário espanhol sentou-se a conduzir o Seat, cópia fiel do Cinquecento, e com o passar das décadas, em ambos esses países os
então proletários alcançaram o estatuto e os confortos da classe média.
No nosso Portugal, tradicionalmente débil
em agitação social, mas de excelentes relações com o divino, ao findar a década
de 80 repetiu-se, como sabemos, o milagre do maná, com que no Egipto o Senhor
salvara os judeus.
Não vou repetir a gracinha brasileira de
termos caído da palmeira para o volante, mas o português nunca faz as coisas
por menos, e ele, que vinha da carroça e dos comboios com terceira classe,
tomando grandes ares atirou-se aos BMW, Mercedes, Audi, Range Rover e
quejandos.
A que vem o Cinquecento aqui chamado?
Já lho digo. São umas frases que com
frequência oiço. "Isto já não é o que eles julgam! Já não é como
antigamente! Isto mudou!"
Mas infelizmente tudo está na mesma e
continuamos como somos, sonhadores da Fórmula 1. Nada de vagares, esperas, nada
de desenvolvimento ordenado e pensado. O miúdo quer logo o brinquedo e nenhum Cinquecento o consola ou lhe serve.
Venha o Ferrari, senão chora.
“Isto já não é
o que eles julgam! Já não é como antigamente! Isto mudou!"
Será que mudou porque o sonho se foi?