Quanto mais gente um escritor conhece, mais
difícil se lhe torna criar personagens, pois “amigos e conhecidos” ficam
alerta, “vêem-se” no João e na Maria, regozijam se a figura lhes parece
simpática; aparecem de mau modo a pedir contas quando não lhes agrada, dedo no ar, tratando
o autor por você:
- Olhe que não quero que me ponha na
internet! Não admito!
Como vou eu provar que aquilo não tem a ver
com ele ou com ela? Que não lhes reconheço virtude ou anomalia que os torne matéria-prima
de razoável ficção? Que me aborrecem? Que os acho mesquinhos, tontos,
pobres-diabos?
Este encontrou num texto meu um personagem
com bigode. Usa bigode, ergo,
aquilo é retrato maldoso, vá de atirar com frases em moda, “não admito
atentatos à minha privacidade, exijo respeito”.
Estoutra pintou o cabelo, a personagem pinta o
cabelo, só pode ser escárnio. E não tem dúvida, pois reconheceu-se mesmo no
modo como a Márcia do meu texto sorri.
- Olhe que não tenho texto com Márcias.
- Ai não? Então deve ter sido noutro. De
qualquer maneira não quero que me ponha na internet.
Muito cansa lidar com gente e fazer de
conta que somos todos sãos do espírito