Por volta das seis, lágrimas nos olhos, assim
começou o aniversário dos meus oitenta e dois anos. Mas ninguém se apiede, que
não foram de dor, só frustração e raiva. Das contas que me pus a fazer, tomado pelo
sentimento da força das raízes que me prendem a este chão, e da animosidade, a
inveja, a bruteza que por vezes leio nos olhos e nos modos. Fizessem eles
sentir-me estrangeiro, que para esses guardam o apreço e o sorriso, os
cuidados, a gentileza. Mas não, não me fazem sentir estrangeiro, fazem-me
sentir estranho, forasteiro, galego de antigamente.
Permitem-se a familiaridade e a arrogância alarve
dos pobres de espírito, e eu, com pena, finjo de surdo, mudo
de conversa, falo do tempo. Não é cobardia, ou pundonor magoado, o que impede
atirar-lhes o que me está nos lábios, mas caridade, pena que sinto de
vê-los incapazes de mudar, iguais aos bisavós, aos trisavós, mesquinhos,
sacanas, manhosos, violentos e cobardes, doutorados em hipocrisia.
Corta-se-me o coração quando os sei
aflitos, necessitados, mas é dar-lhes o negro de uma unha e logo arrebitam, sem
piedade cortam a mão amiga, levam também o braço.
Quando
olho o passado, sorrio feliz, recordo uma vida de dores e fracassos, alegrias
intensas, amor, tristezas fundas, vitórias grandes, derrotas em proporção. E já
não serão muitos os anos que restam, mas
partirei em paz comigo mesmo, grato pelo que me coube. Uma dor levo: a
de não ter visto a minha gente mudar e melhorar, partir ciente que a deixarei
com menos razões de esperança do que quando entre ela nasci.