terça-feira, março 13

Teatro de amor


De amor sabem falar os poetas. Nós, o comum, desajeitados e menos sensíveis, dizemos alguma coisa com os olhos, os gestos, mas sempre a pensar que ficamos aquém, incapazes de arriscar, perdendo-nos nos temores que imaginamos. Somos bem melhores no fingimento.

Vem. Deita-te. Apaga a luz. Cerra os olhos. Não fales. Imagina a quem queres que empreste as palavras que te vou sussurrar.

Lembras-te da esplanada, aquela tarde, o acaso do nosso encontro, quando ias sentar-te tropeçaste e eu te segurei para que não caísses? E depois combinámos jantar, ambos inocentes, descuidados, sorrindo de tudo, adivinhando os subentendidos, felizes com aquela alegria ingénua de crianças. E o primeiro beijo, lembras-te?
Não respondas. Ouve. Ainda não era amor, só a excitação do início, o aperceber da descoberta. A iminência do destino que, soldando-nos, de dois faria um.
O que veio depois é vivência de poucos, romance de paixão e loucuras, do espanto das confissões, da partilha dos segredos que envergonhavam e agora nos unem. A suavidade das mãos que se procuram quando nos deitamos. A harmonia dos sorrisos trocados. Certos olhares. O que os dedos aprenderam a soletrar na pele. A ternura dos momentos em que, compreendendo e perdoando, celebramos o reencontro.
É amor, sim, minha querida. Amor que se alimenta de pequeninas e grandes coisas, destes sussurros, dos beijos na escuridão das nossas fantasias, do modo como nos encaramos quando o dia começa.

Não digas nada. Aquieta-te. Espera até que eu saia e oiças fechar a porta.
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A fotografia, datada de 1920, é de Anndré Kertész (1894-1985).