Pela graça de Deus, de Ulisses, D. Afonso Henriques e do "Navegador", Lisboa é desde tempos imemoriais um farol. O seu luzeiro brilha em especial na faixa de terra que, grosso modo, vai do Cabo Ruivo a Cascais, fazendo que aí, como numa estufa bem aquecida e iluminada, se crie uma espécie superior do português: o lisboeta.
Infelizmente, como é sabido, o excesso de brilho distorce a visão, de modo que o lisboeta encontra alguma dificuldade em avaliar distâncias e distinguir em proporções mais ou menos correctas o que existe para além do seu confortável habitat.
Extraordinária anomalia é essa, que lhe permite, por exemplo, muito saber do mundo civilizado, mas lhe enevoa o entendimento e os olhos se por acaso os fixa nas Beiras ou no Douro. De Trás-os-Montes então nem se fala. Assim se podia ler no Público de ontem que Vasco Pulido Valente se referia a alguém assinalando: "nasceu no fim do mundo (em Bragança)".
Isto é grave. VPV deveria saber que apenas quinhentos quilómetros separam Bragança da Cidade-Farol, mas aos seus olhos de lisboeta essa é uma lonjura de estepe. Paris ou Londres são duas horas de voo, mas Bragança? Onde fica? Têm lá electricidade?
Graças à União Europeia até estradas. Esgotos também. Embora, verdade se diga, que numa pressa nos agachamos atrás dos muros. E ainda cá há burras com alforges, vamos por água à fonte, somos da gaita-de-foles e dos pauliteiros .
Conta-se do rei D. Luís que, navegando no seu iate, perguntou a uns pescadores se eram portugueses.
- Saiba Vossa Majestade que somos só pescadores.
E assim parece ser connosco, senhor Pulido Valente: gente do "fim do mundo", somos só transmontanos.