Estou no mundo, aceito o geral das regras da vida em sociedade, mas no contacto directo com o semelhante o meu comportamento deixa por vezes a desejar. Ou porque emitimos em ondas diferentes, os caracteres se desajustam, ou fala cada um em sua "língua", uma conversa comigo pode descambar em irritação.
Falávamos de literatura, influências, estilos, leituras feitas, quando com genuína curiosidade e simpatia, a senhora disparou:
- Quais são os escritores que mais admira na literatura portuguesa contemporânea?
- Nenhum.
Tive a impressão de vê-la recuar, chocada com a bruteza, a falta de tacto, e o meu descaso pelas regras da conversa.
Ela esperava nomes, e mais tarde, tentando apaziguar-me, falou da inevitável Agustina, de Saramago, do Vergílio, enquanto que a minha cabeça, desinteressada das várias famas, continuava presa ao significado da palavra e ao sentimento de admiração.
Evidentemente há colegas que leio com interesse e simpatia, mas, oficial do mesmo ofício, a leitura que deles faço tem exigências que o leitor comum dispensa. Respeito-lhes o trabalho, sim, louvo-lhes o esforço – porque esforço é – a persistência, a coragem e a teimosia. Gostaria de vê-los remar mais contra a maré? Pois gostaria. De ver menos a sacrificar às modas? Seria bom.
Mas se respeito e louvor é coisa para muitos, o merecimento de admiração, de verdadeira admiração, cabe a poucos, todos mortos, facilmente se lhes faz a lista.