(Clique para aumentar)
Deve ser da idade. Ando a falar com os mortos. Os que conheci. Estranhos diálogos de perguntas que devia ter feito e respostas que imagino, conversas irreais em ambientes desaparecidos. Eles na eternidade, eu preso ao dia-a-dia de repetições, actos mecânicos, pequenos interesses, relâmpagos de alegria, longas horas de mesmice, insónias, tempo parado.
Falo aos mortos e vou desaprendendo a fala com os vivos. Mais do que antes estranho os "Tudo bem?", a cortesia automática, as bolhas de ar do interesse fingido, o tão pouco que nos aproxima, o vazio que nos separa.
Mesmo na intimidade estamos num palco, fazemo-nos personagens. Na rua mudamos de papel. Uns com mais presteza que outros, todos com o talento preciso para garantir o espectáculo do teatro em que somos actores, público, e críticos. Bons actores, mau público, críticos venenosos.
Falo disto com os mortos. Imagino-os encolhendo os ombros, perguntando-se que mistério nos faz assim enquanto vivos.