Porque vive num mundo criado pelos dinheiros do papá e as certezas da burguesia, o Carlos, o meu amigo Carlos, jovem nos trinta e simpático que baste, anda aborrecido comigo.
Diz que na minha escrita, nos livros que leu e nas notas que aqui deixo, há demasiadas sombras, azedumes, pensamentos negativos. Parece-lhe que em parte será da idade, mas acha imperdoável, até doentio, o que chama "sempre a bater na tecla do infortúnio". E no tom meigo das Testemunhas de Jeová que aos domingos de manhã insistem em explicar a Bíblia, vai desfiando o que é lindo no nosso Portugal, as coisas boas que temos e os outros nos invejam.
- Diz lá. Que coisas?
O sorriso a mascarar a seriedade da sua crença, aponta ele então os bolinhos de bacalhau, os pastéis de Belém, o vinho verde, a praia de Moledo, a Linha do Tua, as gravuras de Foz Côa, os cafés Delta, aquele restaurante que ambos conhecemos e onde se come um soberbo Bacalhau à Narcisa, a Ponte Dom Luís, o Terreiro do Paço…
Vai desfiando, e nunca o interrompo, mesmo quando compara o Gerês aos Alpes e afirma que nem na América há jipes como o nosso UMM.