As pernas. O problema são as pernas, mas já lá vamos. Nalguns dias são eles sete, às vezes só os quatro mais fiéis, depois do almoço, hábito de anos, sentam-se no café à mesa junto da janela. Reformados, mas no viço dos sessenta com força e saúde. Gostam da companhia e entretêm-se com a política, mexericos, futebol, a televisão de ontem, uma ou outra piada, o dominó. De vez em quando há um que não resiste e olha discretamente o relógio, mas os outros, se vêem, fingem não dar conta.
Ao quarto para as duas, pontual, ela surge no outro lado da praça, mas em vez de cortar a direito, o previsível, caminha ao longo dos prédios e só depois atravessa a placa, dando a impressão de que se dirige ao café. Olham-na calados, seguem-na até que dobra a esquina.
Houve uma altura em que se não continham – "Que pernas! Olha-me para aquilo!" - mas depois qualquer coisa aconteceu e desde então, silenciosos, só olham.
Terá trinta anos e de rosto não atrai, os olhos são miúdos. Mas o busto perfeito, aquelas incríveis pernas, a elegância das passadas! A saia que mal cobre as coxas!
Quando vão ao banco vêem-na numa secretária lá atrás, e um ou outro, com esperanças de adolescente, acontece andar por ali às cinco horas.
Às vezes encontram-se e fingem surpresa:
- Então, a dar uma volta?
- A dar uma volta.
(Continua)