Quando me operaram a um cancro da glândula salivar, vai fazer quatro anos, disseram assim: há uma pequena probabilidade de reincidência dentro de dez anos.
Dez anos? Quase me pareceu boa nova, porque dez anos é muito tempo, não é?
Não, não é. Se de facto a velocidade a que passam fica aquém da do som, de certeza se aproxima da de um TGV.
O que me anunciaram a seguir foi menos agradável: à cautela haveria que proceder a um controle semestral. Enfim, se tinha de ser. Desses já houve seis e, com a passagem do tempo, entre mim e a muito devotada médica, sempre a mesma, estabeleceu-se um elo, se não de amizade, certamente de simpatia.
Esse elo, porém, desaparece no instante em que ela começa a examinar. Olha, apalpa, aperta aqui, aperta ali, os seus dedos percorrem-me o pescoço, o queixo, tacteiam, penetram na boca, afastam, empurram. Por vezes resmunga baixinho, detém-se, repete o gesto, olha de novo, examina de novo. No todo dura aquilo uma pequena meia hora, mas de cada vez que ela pára, recomeça, parece hesitar, apalpa com mais insistência, ou diz baixinho "Ah!Ah!", é como se jogasse roleta russa comigo. Oiço-a destravar o cão, premir lentamente o gatilho, aguardo o estouro.
Mais logo, às três e meia, vou jogar roleta russa pela sétima vez.
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(18.15 h) Não disparou. Em Julho voltaremos a jogar.