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Na extrema do nordeste transmontano, a nossa aldeia de Estevais merece o qualificativo literário de um fim do mundo, ou o plebeu de ser um cu de Judas.
A vinte e poucos quilómetros para norte fica Mogadouro, onde poucos nos conhecem e os autarcas nos dificultam a vida, deixando que aumentem os buracos na única estrada que, desde que a fizeram em 1966, nunca mais viu alcatrão.
Para sul, também a vinte e tal quilómetros, ficam Moncorvo e Freixo-de-Espada-à-Cinta. Para ocidente são léguas de deserto até Vila Flor. Para o lado da Espanha é outro deserto, pontuado aqui e ali por pueblos com nomes ora cómicos ora bizarros: Cabeza de Caballo, Sardón de los Frailes, Brincones, Sanchón de la Ribera, Ahigal de Vilariño, Comeciego...
Talvez mesmo antes dos fins do século XV, quando o rei os deportou em massa para estas bandas, isto já deviam ser terras de judeus. Essa ancestralidade revelam-na as feições dos rostos, certos modos, e não poucas das qualidades de carácter que, com razão ou sem ela, se atribuem ao povo de Moisés.
Porém, se antes ou simultaneamente com eles, viveram nestes montes celtas, iberos e sabe Deus que mais, não resta dúvida que também havia árabes.
E é aí que quero chegar, com esperança de que, antes que seja tarde, venha um historiador ou arqueólogo verificar se tenho razão.
Construído no começo dos anos 70, com as suas campas de mármore e granito, cruzes, flores, retratos dos falecidos, as várias versões da “eterna saúdade” em letras douradas, o cemitério novo de Estevais é o tipo corrente do campo santo. Mas incomum, espectacular de simplicidade, esquecido dos estudiosos e das autoridades que o deveriam cuidar e acarinhar, é o cemitério velho.
Três apenas são nele as cruzes.Três as campas cobertas de granito. Uma com a concha, a mostrar que o falecido foi peregrino de Santiago. As restantes são rasas e nelas, como no costume árabe, uma simples pedra a assinalar a posição da cabeça do defunto.
No Dia dos Fiéis visitam-se com respeito os que lá estão enterrados. Se descendiam dos celtas, dos iberos, romanos, judeus ou árabes, pouco importa. Eram gente. Gente nossa.