sábado, abril 11

Meteorologia

A minha vizinha sabe de meteorologia. Aponta para os lados da Serra de Bornes, onde começam a amontoar-se uns novelos cinzentos, franze os lábios e diz num tom sombrio:

- Vem aí chuva!

Abro um sorriso de concordância, digo-lhe que sim, e continuo com os meus afazeres.

Às vezes, quando volta do terço ao fim da tarde, olha para o céu onde nuvens pequenas e esparsas se assemelham a um rebanho:

- Amanhã vamos ter um dia bonito! Calmo! E os pescadores é que vão ficar contentes! Céu de bolinhas é sinal de muito peixe!

Não lhe contradigo a tolice e calo que é bizarro ouvir falar assim quem nunca viu o mar.

Noutra altura:

- Vai ser trovoada.

- Com um céu tão limpo?

Fareja para um lado e para o outro, agitada como um perdigueiro, fecha os olhos a concentrar-se:

- É que cheira mesmo a trovoada! Pode ser que só venha à noite, mas que vai haver trovoada, vai!

A culpa destas bacoquices não a tem ela, mas uma espécie de José Quitério da ruralidade, que vem do Porto num Land-Cruiser e se demora por cá os fins-de-semana.

Quarentão sorridente, incansável nos cumprimentos e louvores, dá abraços com um entusiasmo de político em tournée eleitoral:

- Vossemecês têm muita sorte com estes arzinhos! Esta pureza! E então, ti Celestino, como vão esses reumatismos? Estou a ver que o cházinho de cidreira lhe tem feito bem!

Pára. Forma-se uma roda. Uns esperando que lhes confirme a ciência da tradição, outros ansiosos por dar conselho.

- Fiquem a saber que o digo muitas vezes lá no Porto! Devia ser obrigatório visitar o Nordeste! Vir ver isto! Aprender com vossemecês as coisas boas de antigamente! A comidinha saborosa! Julgam que na cidade alguém sabe o que é o butelo? Que alguma vez comeram uma burzigada? Um bulho com casulas? Um folar? Hoje nas cidades não se sabe nada! Não se come! Não se vive!

E reparando na minha vizinha que está fora da roda:

- Olha a Deolinda! – vai para ela, agarra-lhe as mãos, aperta-a num abraço - Se fosse eu a mandar, aqui esta ia para a televisão! Nada de bonecadas a mostrar o tempo de amanhã. Quem aprendeu com os antigos não precisa de aparelhos! É ou não é? Diz lá, ó Deolinda, vai continuar como hoje?

Apresso o passo e faço de distraído, não quero ver a Deolinda a farejar como um perdigueiro e a fingir de Seringador.