As lágrimas que tinha chorei-as quase todas nos anos de menino. As que depois me encheram os olhos foram de raiva e impotência, com a excepção de quando um imprudente, ao fechar a porta do carro, quase me decepou os dedos da mão direita.
Com funerais e tragédias sou capaz de sentir um nó na garganta, mas as lágrimas continuam a ferrolho. Talvez por isso sinto um estranho embaraço quando alguém chora na minha presença.
Quando telefonou a marcar o encontro parecia a calma em pessoa. Não havia pressa, mas se eu pudesse...
Combinámos à tarde, num café de que ambos gostamos, mal iluminado, cheia de gente e algazarra. O canto que ela escolhe é no género alcova escura e, com alguma surpresa, em vez de aceitar o sofá que lhe indico, confortável, contra a parede, senta-se numa de cadeira, de costas para a sala.
A empregada vem, pedimos-lhe cerveja, e enquanto ela não volta trocamos banalidades tão forçadas que temos de sorrir.
Bebemos um gole em silêncio, e vejo-a mudar de expressão, o rosto bruscamente duro, a boca num ríctus:
- Sabias?
- De quê?
De nada adianta, mas é um automatismo, tento adiar, ganhar tempo, e repito:
- De quê?
- Que eles arranjaram um apartamento em Bruxelas. Que nos fins-de-semana..
- Eles?.
Não quero trair a confidência do amigo. Tãopouco quero desapontar a amiga que sempre confiou em mim, e agora me pede o impossível.
O nosso silêncio prolonga-se, insuportável, o gesto que faço é a maneira tosca de confessar a minha impotência.
- Sabes – diz ela – não é pela traição. Eu já desconfiava, e ontem em Bruxelas vi-os ambos, o senhor respeitável e a garota de vinte e poucos. Não é pela trai... É o desdém, a humilhação de me sentir espezinhada, o nojo, a mentira, o...
Chora. As lágrimas caem em fio, e ao mesmo tempo mantém o rosto estranhamente impassível. Aperta-me as mãos, talvez a exprimir o que não pode dizer em palavras, e eu, envergonhado, baixo involuntariamente os olhos, para que ela não dê conta do nó que me aperta a garganta.