“Froid!”
Na vila, Largo das Escolas. De boné e uns óculos grossos como fundos de garrafa, encorpado por umas quantas camisolas, o homem veio direito a mim e, quase a tocar-me, berrou de novo “Froid!”, ao mesmo tempo que apontava a matrícula do carro.
Sorri, disse-lhe que me falasse na nossa língua, mas lançado que estava nem me ouviu e, soprando nas mãos, gritou “Froid!” uma terceira vez.
Respondi-lhe que sim, estava frio e, surpreso, quis então saber donde eu vinha, de que sítio era a minha gente, onde morava.
Lá lho disse. Ele também tinha estado ao pé da fronteira da França com a Bélgica, vinte e um anos, mas esquecera o nome da terra. Era aonde havia umas fábricas muito grandes. Com certeza na Holanda também se falava o francês. Ai não falava? E reparando que o meu olhar ia para uma sacada onde uma idosa sacudia um pano, perguntou se eu conhecia o Ferreira. O Abel. O irmão do Benjamim, o que está na América. Um muito rico
Achou estranho que eu não conhecesse, ou com certeza esquecera, porque toda a gente...
Interrompeu-se e virou as costas para a sacada, mas apontando-a com o dedo, ao mesmo tempo que sussurrava:
- Fracas bestas! Sabe o que fez a filha daquela? No Verão passado foi de férias e deixou os cães ali na varanda. Três. Sem comida nem água. Até que os mais fortes mataram o outro e o comeram. Depois é que os da Câmara os tiraram de lá.