domingo, junho 23

A bomba do fim do mundo

 

A paciência é fingida mas remédio não existe, nem o Matias aceita que se lhe recuse atenção. E assim vá de imitar os comentadores da TV, detalhando pela enésima vez os fortes argumentos que a Rússia possui para se defender do belicismo dos que ele, usando uma expressão perdida no tempo, chama o “Eixo do Mal”.

Do que não tem dúvida, certo como dois e dois serem quatro, é que todos iremos sofrer, numa escala tão nunca vista ou sonhada que nem o Dilúvio serve para comparação. Imagine-se uma bomba atómica sobre Paris, Londres, Roma, Nova Iorque. Fica alguém vivo? Fica alguma coisa em pé?

A pergunta é sublinhada com um arregalar dos olhos, ao mesmo tempo que o braço erguido descreve um vagaroso círculo, parecendo querer assim dar ideia de como a catástrofe será total.

Julgo manter o papel de ouvinte interessado, mas de certeza sou fraco actor, porque ao mesmo tempo que baixa o braço leio-lhe no rosto uma expressão de desânimo, é então que, por simpatia, caio na asneira de o encorajar com banalidades e certezas que não possuo.

Porém, quanto mais faço para que anime, tenha esperança, o queira convencer de que o lado bom é muitas vezes o que leva a melhor, mais ele amua. Por fim, como se tivesse perdido a paciência de sofrer o meu optimismo, esquece a cordialidade do trato social:

- Claro que na tua idade tanto se te dá como se te deu! Mas eu tenho filhos e filhas na força da vida, vou ter netos, quero vê-los crescer num mundo melhor.

- Será o admirável mundo novo - digo eu sem ironia, supondo que conhece o livro de Aldous Huxley,

- Novo e muito melhor do que este!

O entusiasmo da sua concordância não me faz perder apenas uma ilusão, com ele reganho o melancólico sentimento de tantas vezes me ver atordoado, perdido em terra-de-ninguém.