Se bem recordo e não estou a exagerar, datam da década de cinquenta, em Paris, as ocasiões em que, pela última vez, tomei parte em intermináveis conversas de café. Como se tivéssemos voto na matéria, discutíamos a política em França e no mundo, as consequências da Guerra Fria, o que nos interessava de filmes, jornais, livros, o que tencionávamos fazer essa noite.
Para o dia seguinte talvez tivéssemos uma vaga ideia, mas o futuro parecia demasiado remoto para merecer atenção, e assim nos entretínhamos, jovens descuidados, iludindo-nos de que para nosso benefício os dias, e até os anos, ganhavam a dimensão que mais nos convinha.
A mudança de Paris para Amesterdão, além de pôr fim a esse juvenil passatempo, obrigou-me a confrontar uma sociedade que tinha, e continua a ter, uma atitude diametralmente oposta no que refere a ocupação do tempo, dando prioridade a que nessa ocupação haja um elemento útil ou um benefício.
Já passaram sete décadas desde a mudança, mas num tão extenso número de dias são poucas, muito poucas mesmo, as conversas de café que recordo. A maioria delas tive-as com um amigo que a morte levou, mas cuja inteligência, cultura e sentido de humor continuam grata memória.
Quis o acaso que, dias atrás, me visse a participar num colóquio sobre o sentimento de culpa em várias sociedades. Terminada a discussão, um pequeno grupo decidiu que a altura era boa para, num café ali perto e a cerveja a ajudar, tentarmos compreender o motivo dos pontos de vista que nos opunham.
A surpresa veio de uma jovem de origem marroquina, que já nas discussões tinha brilhado, e sorrindo nos explicou serem os árabes campiões no sacudir a água do capote. Segundo ela, um árabe não dirá que perdeu o combóio por chegar atrasado, mas que na estação se tinha dado conta que o comboio partira sem o levar.